A decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio impôs ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento de um grande erro e elevou o Senador Renan Calheiros à condição de vÃtima de um contra-ataque inapropriado. A concessão de uma medida cautelar, como é de conhecimento de todo operador do direito, exige o enfrentamento prudente de três requisitos: a) a plausibilidade do direito; b) a urgência; e c) o perigo da demora.
Não há que se falar em plausibilidade do direito, pois não há previsão constitucional para o afastamento do Presidente do Senado; tampouco o fato de haver maioria no julgamento de mérito da ADPF 402 (ainda não finalizado) é capaz de configurar esse requisito.
Não há também que se falar em urgência, até porque diante de impedimento ou vacância do cargo de Presidente da República, a substituição recairá, primeiramente, sobre o presidente da Câmara dos Deputados (art. 80 da CF/88). Ademais, não há qualquer iminência de impedimento ou vacância do cargo de presidente.
Por fim, não há perigo iminente. Qual o risco de um Presidente do Senado em final de mandato? Muito pelo contrário, afastar o Presidente do Senado num momento em que a Casa debate uma pauta de extraordinária importância configura, na verdade, um risco iminente inverso, qual seja, inviabilizar a agenda nacional que exige deliberação imediata.
Muitos levantaram o argumento de que esse caso de Renan se assemelha ao afastamento de Eduardo Cunha, o que não tem sentido algum. O ex-presidente da Câmara foi afastado a partir de pedido do Procurador Geral da República que enumerava uma série de fatos que configurariam a utilização do cargo com o fim de atrapalhar as investigações da Lava Jato, desde ameaças a empresários, requerimentos de convocação com o intuito de intimidar pessoas, perseguição e demissão de funcionários que ousaram contrariar seus interesses, entre outros tantos elencados por Rodrigo Janot.
É salutar destacar que antes do afastamento de Eduardo Cunha, o Relator Teori Zavascki oportunizou ao acusado o direito de defesa prévia. Por outro lado, não é possÃvel deixar de reconhecer que a decisão do Ministro, de certa forma, foi atabalhoada, considerando que estava pautada, para o mesmo dia, a ADPF 402 que pretendia definir a impossibilidade de estar na linha sucessória do Presidente da República aquele que fosse réu em processo criminal.
A decisão liminar do Ministro Teori, horas antes do inÃcio da sessão que analisaria a ADPF 402, foi motivada pelo receio de o plenário optar por uma solução mais branda, que proibiria Eduardo Cunha de integrar a linha sucessória, não o impedimento de permanecer no cargo de Presidente da Câmara, receio que levou o Relator a se concentrar mais detalhadamente na acusação de que Cunha estaria atrapalhando as investigações da Lava Jato.
O julgamento da ADPF não finalizou em razão de um pedido de vista do Ministro Toffoli. Agora, na oportunidade do julgamento de Renan, o STF confirma o “receio†do Ministro Teori, mas na verdade não se trata de receio, trata-se de ausência de previsão constitucional para o afastamento do cargo, e não poderia ser diferente a decisão tomada hoje pelo Supremo, no caso Renan.
Em suma, prevaleceu a técnica jurÃdica e a prudência que se impõe de forma absolutamente especial num momento de tamanha instabilidade que passa o paÃs. Não se pode definir tese jurÃdica no bojo de uma cautelar, sobretudo quando se tem um processo principal em curso com esse fim (ADPF 402). Tampouco se pode adotar uma medida excepcional sem observância dos requisitos exigidos para esse tipo de tutela, não deixando, por menos, a extrema soberba do Ministro Marco Aurélio quando decide afastar, sem oitiva prévia, e de forma monocrática, um Presidente de Poder.
Um conjunto de erros que expõe o STF de forma completamente desnecessária. Sorte dos Ministros que a compreensão do assunto é tema reservado a poucos.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal possui 12 inquéritos contra o Senador Renan, em berço esplêndido, e somente agora, há poucos dias, resolveu transformar um deles na primeira ação penal contra o senador, tornando réu, num caso relativo a 2007. O que fez o STF mudar seu temperamento de elevada parcimônia com o Senador Renan? Seria a comissão criada para apontar correções nos salários do judiciário? Seria o projeto de abuso de autoridade?
* Escrito por Rogério de Almeida Fernandes, Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Graduado em Contabilidade pela Universidade Federal da ParaÃba e em Direito pela Faculdade dos Guararapes. Pós-graduado em Direito Público com foco no Controle Externo pela Escola da Magistratura de Pernambuco. Coautor do livro Vereadores (Reflexões acerca dos entendimentos dos Tribunais de Contas e Cortes Judiciárias).
Foto: Lula Marques / AGPT – link