Mal acordamos em 2017 e já nos deparamos com uma “nova criseâ€, a do sistema penitenciário. Esse é o bordão tocado na mÃdia, muito embora o sistema já esteja em crise há muito tempo. Na verdade, há um colapso sistemático de toda a polÃtica de segurança pública no paÃs, no qual está inserido o sistema prisional.
O Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP), divulgado em março de 2016, registra 59.627 homicÃdios ocorridos no paÃs em 2014. Os dados revelam um recorde, um aumento de mais de 20% comparado com 2003.
Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/03/brasil-bate-recorde-no-numero-de-homicidios-segundo-ipea.html
O Brasil é um paÃs pavorosamente violento, são 163 pessoas assassinadas por dia, mais de mil por semana. Em números absolutos, o Brasil é lÃder mundial no ranking de homicÃdios. De cada 100 assassinatos no mundo, 13 são aqui. O número de homicÃdios no Brasil é maior do que o de paÃses em guerra. Na SÃria, em 4 anos, morreram 256 mil pessoas. Aqui, quase 279 mil.
A violência está dentro e fora das grades, mas o foco agora é no sistema prisional. Nos dois primeiros dias do ano, foram mortos 60 presos em Manaus, a 2º maior matança da história prisional nacional, atrás apenas do Carandiru. Quatro dias depois, mais 31 presos foram mortos em presÃdio de Roraima, o que seria o 3º maior massacre da história.
A despeito desse descalabro, o Ministro da Justiça afirma que está tudo “sob controleâ€. Talvez o ministro quisesse dizer que mortes em presÃdios fazem parte da rotina. Ano passado, 372 detentos foram assassinados sob a guarda do Estado.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1847511-33-presos-sao-mortos-em-penitenciaria-de-roraima-diz-secretaria.shtml
Acrescente-se a esse quantitativo mais 05 detentos mortos na noite de ontem para hoje, em mais um presÃdio de Manaus (dados preliminares). O cenário humilha até desabafo do Secretário Nacional da Juventude, que pedia por mais mortes, sugerindo uma chacina por semana, declaração que lhe custou o cargo. Já são 03 chacinas na 1ª semana de 2017. O ministro da justiça fala nada com nada a todo o momento, fala demais, diz e desdiz, mas permanece no cargo.
Quanto à s fugas, não se tem um dado preciso, pois não se sabe ao certo a quantidade de detentos nos presÃdios brasileiros. Oficialmente, pelo menos 300 presos escaparam das grades apenas na primeira semana de 2017. A propósito, basta fazermos uma breve pesquisa e veremos que fugas são “normaisâ€. Em Roraima, por exemplo, matéria do globo, de junho de 2016, registrou 05 fugas em 15 dias. Até aquele momento, já eram 178 presos foragidos. E no decorrer do ano, mais fugas ocorreram em Roraima. Clique aqui nas matérias.
Massacres, fugas, utilização livre de celulares, privilégios a presos, entre outros, são apenas parte do problema prisional. Aqueles que deveriam acompanhar a polÃtica prisional estão sendo acusados de estar contra ela. Matérias apontam desembargadores e juÃzes na folha de pagamento do crime. O juiz convocado para negociar a rebelião de Manaus é acusado de favorecer bandidos. Advogados aguardam o plantão de determinado magistrado para obter a soltura de seus clientes.
Os presÃdios se transformaram em embaixadas do crime organizado. As maiores ordens partem deles. Aquele que chega aos presÃdios tem a necessidade de se filiar à determinada facção como forma de sobrevivência, e quando saem tem que servir ao grupo. O narcotráfico tem, inclusive, eleito vereadores e buscado apoio de parlamentares federais. O Ministério Público manda prender, mas é omisso no seu papel de fiscalizar e acompanhar os presos.
O caos na segurança pública do paÃs vem de anos. A solução pressupõe um efetivo debate entre os Poderes (Executivo, Judiciário e Ministério Público), envolvendo a União, os Estados e MunicÃpios, já que a todos são atribuÃdas competências e responsabilidades. As ações devem ser articuladas, vão desde a vigilância de fronteiras, ações preventivas, alterações na legislação, até, por fim, os equipamentos prisionais. Mas o que podemos esperar?
O judiciário convoca reuniões, diz que é preciso fazer algo, mas continua confortando magistrados envolvidos em escândalos e acusados de crimes. Se brincar, dessas reuniões, ainda sai mais um auxÃlio ou uma verba remuneratória para os juÃzes.
O Ministério Público, de forma atabalhoada, sugeriu a possibilidade de intervenção nos Estados, como se a intervenção fosse resolver a questão prisional, que passa por graves problemas que vão desde gestão ao enorme déficit de vagas e unidades prisionais. Nada será resolvido da noite para o dia, razão que faz da sugestão de intervenção um devaneio histérico.
Os Governos Estaduais dizem que o problema não é de agora, não é local, muito menos responsabilidade exclusiva do atual governo. Assim, continuam alegando dificuldades para comprar facilidades. Foi esse discurso que fez Manaus terceirizar o controle prisional. Nada mudou, apenas elevou o custo do preso para o dobro da média nacional.
O Governo Federal meteu a mão no bolso, sacou um guardanapo, e com a caneta do garçom fez um rascunho, apresentando-o como Plano de Segurança Nacional, minutos antes de uma coletiva com a imprensa.
Quanto à participação do Poder Legislativo, quando souberem que os espaços oferecidos pelo governo serão apenas vagas no sistema prisional, os parlamentares não terão interesse na discussão.
Foram 98 mortos dentro dos presÃdios em uma semana, mas são mais de mil aqui fora. Aos familiares dos 98, uma indenização será apresentada. Aos do que estão aqui fora, só misericórdia. Mas o foco se resume ao sistema prisional, a porta dos fundos, a etapa final. Esse é o retrato dos debates no paÃs, “mais presÃdios e menos escolaâ€. É assim que “funcionaâ€.
* Escrito por Rogério de Almeida Fernandes, Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Graduado em Contabilidade pela Universidade Federal da ParaÃba e em Direito pela Faculdade dos Guararapes. Pós-graduado em Direito Público com foco no Controle Externo pela Escola da Magistratura de Pernambuco. Coautor do livro Vereadores (Reflexões acerca dos entendimentos dos Tribunais de Contas e Cortes Judiciárias).
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