TCE/RS: A INICIATIVA DA LEI DE REVISÃO GERAL ANUAL É DE COMPETÊNCIA DE CADA PODER

PARECER 12/2011

Revisão Geral Anual. Servidores do Legislativo Municipal. Consulta. Artigo 37, inciso X, da Constituição Federal. Iniciativa. Manutenção da orientação exarada nos pareceres coletivos 3/2002 e 1/2003. Cálculo de impacto financeiro. LC 101, art. 17, § 6o. Inaplicabilidade. Unificação de datas. Compensação. Possibilidade na proporção da perda do poder aquisitivo no período. Revisão geral anual.Vinculação à existência de real inflação.

Vem a esta Auditoria, encaminhada pelo Exmo. Sr. Conselheiro Relator Iradir Pietroski, para parecer, consulta formulada pelo Legislativo Municipal de Imbé, por seu Presidente Jair Tadeu Grassi, Of. 055/10 (Processo nº 4002-02.00/10-1), acerca de questões que envolvem a revisão anual de vencimentos (inciso X do artigo 37 da CF) de servidores do Legislativo Municipal:

a) É possível o Poder Legislativo criar Lei para substituir o índice de correção salarial anual dos servidores do Legislativo?

b) Caso a competência seja exclusiva do Executivo, para aplicar o índice de correção aos servidores do Legislativo, como fica a competência para calcular o impacto financeiro?

c) Em nosso Município, os índices sempre foram aplicados de maneira independente, o Executivo aplicava aos seus servidores sempre no mês de maio, e o Legislativo aplicava sempre no mês de janeiro. Daí decorre a dúvida em caso da unificação do reajuste, como ficarão os 4 meses de reajustes perdidos pelos servidores do Legislativo em caso de unificação de aplicação do índice?

d) Não sendo competente o Legislativo para alterar o índice de reajuste e tendo o IGPM sido negativo, como podemos aplicar o reajuste salarial aos servidores?

A matéria a ser solvida, acerca da correção salarial anual dos servidores do Legislativo Municipal, diz, em seu núcleo, com a respectiva iniciativa, contendo, também, questionamento quanto à estimativa de impacto financeiro, época de incidência e situação diante de índice inflacionário negativo. A Informação 032/2010 da Consultoria Técnica consigna a análise instrutiva, fls. 08/24.

É o relatório.

1 O regramento constitucional e infraconstitucional aplicável

A Constituição Federal estabelece:

Art. 37 […]

X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (grifei)

Art. 39 […]

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI (incluído pela Emenda Constitucional nº 19/98). (grifei)

Por sua vez, prevê o artigo 33 da Constituição Gaúcha, com a redação dada pela EC 57/2008:

§ 1º – A remuneração dos servidores públicos do Estado e os subsídios dos membros de qualquer dos Poderes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos Procuradores, dos Defensores Públicos, dos detentores de mandato eletivo e dos Secretários de Estado, estabelecidos conforme o § 4º do art. 39 da Constituição Federal, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, sendo assegurada através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices. (grifei)

De outra parte, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece:

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I – estimativa do impacto orcamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

Art. 17. […]

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

[…]

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

2 A Necessária distinção entre aumento/reajuste e revisão geral anual

A revisão geral anual implica tão-somente reposição do poder aquisitivo com a manutenção do valor inicial da remuneração ou subsídio, ou seja, representa simplesmente a atualização monetária dos valores percebidos, conforme bem assenta a decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio, Relator da ADI 3459/RS, verbis:

Revisão geral distingue-se de aumento. Revisão geral implica simples manutenção do equilíbrio da equação inicial, afastando-se a perda sofrida por agentes públicos e servidores em virtude da inflação. Revisão geral, e o texto da Lei Fundamental a quer, repita-se, anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices – não resulta em acréscimo, mas na atualização monetária, de modo a eliminar os efeitos da inflação e com isso repor o poder aquisitivo da parcela percebida (Ministro Marco Aurélio, na condição de Relator da ADI 3459/RS, 21-5-2007).

Neste sentido, também, a manifestação do Ministro Carlos Aires Britto no julgamento da mesma ADI, ao distinguir revisão geral anual (mera reposição do poder aquisitivo da moeda) de reajuste (aumento efetivo, real) do padrão remuneratório:

Entendo que em matéria de remuneração há apenas duas categorias ou dois institutos. Ou o instituto é da revisão, a implicar mera reposição do Poder aquisitivo da moeda, por isso que a Constituição no inciso X do artigo 37 fala de índices e datas absolutamente uniformes, iguais; ou, não sendo revisão, será reajuste – que eu tenho como sinônimo de aumento. Então, de um lado, temos ou revisão, que não é aumento, é mera recomposição do poder aquisitivo da moeda, ou, então, aumento. Mesmo que a lei chame de reajuste, entendo que é um aumento. Aí, sim, há uma elevação na expressão monetária do vencimento mais do que nominal e, sim, real. Aumento tem a ver com densificação no plano real, no plano material do padrão remuneratório do servidor; revisão, não. Com ela se dá uma alteração meramente nominal no padrão remuneratório do servidor, mas sem um ganho real.

Assentado que a revisão geral anual significa mera reposição do poder aquisitivo da moeda, distinta, pois, de reajuste como aumento real do padrão remuneratório, passo ao exame da jurisprudência acerca das demais matérias questionadas.

3 Revisão geral anual. Estimativa de impacto financeiro

A revisão geral anual constitui direito subjetivo dos servidores, cumprindo ao Administrador a respectiva previsão tanto no Plano Plurianual (PPA), como na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), ou seja, não se trata de questão adstrita apenas à discricionariedade do Administrador. Todavia, não é exigível a estimativa de impacto orçamentário-financeiro, nos termos do § 6º do art. 17 da LRF, antes transcrito.

4 Unificação de datas. Possibilidade de compensação

O poder legislativo, definida data única da revisão geral, distinta daquela até então utilizada, pode, mediante o processo legislativo próprio, promover a correção da remuneração de seus servidores para ajustá-la à revisão geral, efetivando a compensação na proporção da perda do poder aquisitivo do período, quando apurado, após definido o índice e data da revisão geral anual, distinta da atual.

5 Revisão geral anual. Estrita vinculação à existência de real inflação

A revisão geral anual está estritamente vinculada à existência de real inflação, assim, diante de índice inflacionário negativo descabe a revisão a qual tem por finalidade precípua a recomposição do poder aquisitivo.

6 Revisão geral anual. Competência quanto à iniciativa

Por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 22.307/DF, em 1997, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o entendimento majoritário no sentido de o inciso X do artigo 37, redação original, ser autoaplicável, não dependendo de lei específica considerados cada um dos poderes, pois visava tão-somente fazer uma recomposição das perdas inflacionárias, estendendo, naquela decisão, anterior à Emenda Constitucional 19/98, o mesmo percentual de reajuste geral concedido aos servidores militares aos servidores civis.

Mais tarde, em 2001, ao ser julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão – ADI 2061-7/DF, o STF firmou a necessidade de lei específica, anual, do Presidente da República para a implementação da revisão anual de que trata o inciso X do artigo 37 da Carta Constitucional, assentando, in casu, a mora do Executivo no encaminhamento do Projeto de Lei previsto no inc. X do art. 37 da Constituição Federal.

Sobre as ADIs por omissão assim se manifestou a Auditoria no Parecer Coletivo nº 3/2002, ratificado pelo Parecer Coletivo 1/2003, salientando não poder ser diferente – o comando dirigido ao Chefe do Poder Executivo – porque a ADI por omissão era direcionada àquele chefe de poder.

Ainda, no julgamento da ADI 2.061-7/DF, Relator o Ministro Ilmar Galvão, o Plenário do STF reconheceu que a Emenda Constitucional nº 19/98, ao alterar o inciso X do artigo 37 da CF, instituiu em favor dos servidores públicos o direito subjetivo à revisão anual de seus vencimentos sempre na mesma data e sem distinção de índices, com a finalidade de reposição de seu poder aquisitivo.

Quanto à competência para a iniciativa, a ADI 2726, 05-12-2002, ao examinar o artigo que trata da revisão geral e anual dos salários dos servidores públicos federais dos três Poderes da União, autarquias e fundações públicas federais, assim decidiu:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL 10331/01 QUE REGULAMENTA A REVISÃO GERAL E ANUAL DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 3º: POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DOS ADIANTAMENTOS OU QUAISQUER OUTROS AUMENTOS CONCEDIDOS NO EXERCÍCIO ANTERIOR. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O inciso X do artigo 37 da Carta Federal autoriza a concessão de aumentos reais aos servidores públicos, lato sensu, e determina a revisão geral anual das respectivas remunerações. Sem embargo da divergência conceitual entre as duas espécies de acréscimo salarial, inexiste óbice de ordem constitucional para que a lei ordinária disponha, com antecedência, que os reajustes individualizados no exercício anterior sejam deduzidos da próxima correção ordinária. 2. A ausência de compensação importaria desvirtuamento da reestruturação aprovada pela União no decorrer do exercício, resultando acréscimo salarial superior ao autorizado em lei. Implicaria, por outro lado, necessidade de redução do índice de revisão anual, em evidente prejuízo às categorias funcionais que não tiveram qualquer aumento. 3. Espécies de reajustamento de vencimentos que são inter-relacionadas, pois dependem de previsão orçamentária própria, são custeadas pela mesma fonte de receita e repercutem na esfera jurídica dos mesmos destinatários. Razoabilidade da previsão legal. Ação direta improcedente.

Não obstante essas decisões, encontram-se em tramitação no STF os Recursos Extraordinários 565.089-8/SP e 592 317/ RJ – com repercussão geral reconhecida – quanto ao disposto no inciso X do artigo 37 da CF, na redação da EC 19/98, dizendo, especialmente este último, com a totalidade dos servidores públicos, nas três esferas.

Também de se referir a ADI 3599-1/DF, em decisão de 2007, (proposta pelo Presidente da República, alegando vício de iniciativa por violação desta), privativa do chefe do Poder Executivo para desencadear o processo de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos. Tendo em vista entender que as normas impugnadas não pretenderam a revisão geral anual – não houve aprofundamento da análise acerca da iniciativa em termos da revisão geral anual:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Leis federais nº 11.169/2005 e 11.170/2005, que alteram a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. 3. Alegações de vício de iniciativa legislativa (arts. 2º 37, X, e 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal); desrespeito ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Carta Magna); e inobservância da exigência de prévia dotação orçamentária (art. 169, § 1º, da CF). 4. Não configurada a alegada usurpação de iniciativa privativa do Presidente da República, tendo em vista que as normas impugnadas não pretendem a revisão geral anual de remuneração dos servidores públicos. 5. Distinção entre reajuste setorial de servidores públicos e revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos: necessidade de lei específica para ambas as situações. 6. Ausência de violação ao princípio da isonomia, porquanto normas que concedem aumentos para determinados grupos, desde que tais reajustes sejam devidamente compensados, se for o caso, não afrontam o princípio da isonomia. 7. A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes: ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003. 9. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada improcedente. (grifei)

Entretanto, nos debates incidentais no âmbito da ADI 3599/DF, 21-5-2007, o Ministro Carlos Aires Brito, secundando manifestação do Ministro Cezar Peluzzo, fls 127 do acórdão, defende a iniciativa de cada um dos poderes, nestes termos:

Quanto à iniciativa das leis que tratam de remuneração, entendo que o Ministro-Relator também foi feliz. Mesmo no inciso X do artigo 37, ao falar de revisão geral anual, a Constituição teve o cuidado de prever, “… observada a iniciativa privativa em cada caso, …” Ora, significa, “… observada a iniciativa privativa em cada caso …”, que o Poder executivo cuida dessa iniciativa de lei, em se tratando de revisão remuneratória no âmbito da Administração direta e indireta sob a autoridade máxima do Presidente da República – estou falando no plano federal -, e, no âmbito dos demais Poderes, a iniciativa é de cada um deles. É do Poder Judiciário quando se tratar de revisar a remuneração dos cargos próprios do Poder Judiciário, e no âmbito do Congresso Nacional, há uma bipartição: a iniciativa tanto é do Câmara dos Deputados quanto é do Senado Federal. Tudo a Constituição deixa, para mim, explicitado, com todas as letras, em alto e bom som. Se a iniciativa, porém, parte, por primeiro, de qualquer dos Poderes, em matéria de pura revisão, parece-me, por lógica, que aprovado que seja o projeto de lei em matéria de revisão, o Congresso Nacional fica – volto a dizer -, logicamente vinculado àquela data de início da alteração remuneratória, ao percentual e ao índice, como diz a Constituição.

A auditoria deste Tribunal pronunciou-se acerca da revisão geral anual nos seguintes pareceres:

Parecer 70/2000, da lavra do Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Santolim:

Lei de Responsabilidade Fiscal. Art. 21, parágrafo único. Gastos com pessoal nos últimos 180 dias de mandato. Orientação técnica contida em estudo sobre alguns dispositivos da lei, efetuado por Grupo de Trabalho deste Tribunal.

Parecer nº 5/2001, de autoria da saudosa  Dra.  Rosane  Heineck  Schmitt, no qual examinou a revisão geral anual nos cento e oitenta dias anteriores ao final de mandato:

Lei de Responsabilidade Fiscal e revisão geral anual de remuneração de servidores nos cento e oitenta dias anteriores ao final de mandato. Consulta. Executivo Municipal de Passo Fundo. Implicações com a legislação eleitoral deverão ser solucionadas de acordo com orientação da Justiça Eleitoral. A revisão geral anual de remuneração fundamentada no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, desde que prevista em lei editada anteriormente ao prazo fixado pela LRF, não se inclui no disposto no parágrafo único de seu art. 21.

O Parecer nº 14/2002, de minha autoria, tratou da matéria, todavia no contexto da necessidade de instituição de regime jurídico dos servidores municipais:

Transposição de Regime Jurídico. Detentores de Emprego Público. Ingresso por Concurso Público. Criação de Fundo Previdenciário Municipal. Emendas Constitucionais nºs 19 e 20/98. Efeitos. Revisão Geral Anual. Direito assegurado constitucionalmente. Concessão independentemente do Executivo Municipal. Impossibilidade. Câmara de Vereadores. Devolução, no exercício, de recursos financeiros atinentes a despesas não realizadas. Possibilidade. Consulta

Parecer Coletivo nº 3/2002, relator o Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Santolim:

DESPESAS COM PESSOAL. LC nº 101/2000. VALORES ATINENTES À REVISÃO GERAL ANUAL DE VENCIMENTOS E PROVENTOS.

Constituição Federal, art. 37, X.

Embora no cômputo das despesas com pessoal incluam-se todos os valores referentes aos gastos descritos no art. 18, caput, da LC nº 101/2000, descabe a fixação de qualquer sanção ou conseqüência pela ultrapassagem dos limites fixados para esta mesma despesa quando decorrerem da “revisão geral anual” de que trata o art. 37, X, da Constituição Federal. Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER JUDICIÁRIO PARA A FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DE SEUS MEMBROS E SERVIDORES, INCLUSIVE A REVISÃO GERAL ANUAL.

A competência privativa fixada no art. 96, II, “b”, da Constituição Federal não está afastada no caso da “revisão geral anual” de que trata o art. 37, X, da Constituição Federal.

Esse Parecer Coletivo examinou o conjunto de ADIs sobre a revisão geral, anual analisando a questão da iniciativa, tornando superada a manifestação incidental sobre a questão contida no Parecer nº 14/2002, nos seguintes termos:

Não parece haver dúvida, (a) seja diante do expresso teor da LRF (art. 22, parágrafo único, I, in fine), (b) seja diante do fato de que a interpretação sistemática da lei (ainda que tal dispositivo antes mencionado inexistisse), para dar-lhe compreensão conforme a Constituição, necessariamente haveria de respeitar o direito assegurado pela mesma Constituição, (c) seja porque o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento da já citada Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2061-7 (e depois em várias outras, das quais se destaca a de nº 2481-7, referente ao Estado do Rio Grande do Sul), considerou em mora os demandados, quanto ao encaminhamento do projeto de lei que versa sobre a referida “revisão geral anual”, mesmo após a vigência da LRF, ou, enfim, (d) seja porque a orientação desta Corte, fixada quando da aprovação dos Pareceres nº 70/2000, deste Auditor, e nº 5/2001, da lavra da Auditora Substituta de Conselheiro ROSANE HEINECK SCHMITT (aprovados pelo Tribunal Pleno em 06-12-2000 e em 07-03-2001, respectivamente), já é sólida no sentido de que as limitações impostas pela LRF atingem tão-somente “atos concretos de disposição dos administradores, e não meros atos de gestão”, sendo que nestes últimos é que estaria caracterizada a hipótese da “revisão geral anual”, visto que se trata de direito dos servidores públicos e membros de Poder (ato vinculado) e não de concessão ao arbítrio da Administração, que a “revisão geral anual” de que trata o inc. X do art. 37 da Constituição Federal não colide com as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal voltadas para o equilíbrio das contas públicas, onde o controle das despesas com pessoal afigura-se como um dos seus elementos, não se podendo cogitar de qualquer sanção ou medida a ser adotada como conseqüência da observância da regra constitucional pela Administração.

[…]

Analisados os dois tópicos de natureza geral, vinculados ao “Relatório de Gestão Fiscal” que foi apresentado, resta enfrentar  um terceiro aspecto, vinculado especificamente ao conteúdo das Leis Estaduais nº 11.761 e nº 11.762, ambas de 2002. Sustenta a Informação nº 075/2002, antes mencionada, que tais diplomas não caracterizam a “revisão geral anual” constitucional, que, no caso em espécie, não teria ocorrido. Isto porque, na linha de manifestações anteriores da Consultoria Técnica (Informações nº 126/2000 e nº 200/2001) e da Auditoria (Parecer nº 14/2002), aprovadas pelo Tribunal, através de seu órgão Pleno, “a revisão geral anual a que se reporta o inciso X, art. 37 da Carta Federal, deveria ser efetuada uma vez por ano, sempre na mesma data e com índices iguais, englobando os servidores e exercentes de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo, mediante lei de iniciativa do Prefeito” (fls. 76). Em outras palavras: para a “revisão geral anual” estaria afastada a iniciativa legislativa de cada Chefe de Poder (e outros detentores de igual prerrogativa), em favor de uma exclusividade do Chefe do Poder Executivo.

[…]

De outro lado, o mencionado inc. X do art. 37, ao garantir o direito à “revisão geral anual”, o faz conjuntamente ao comando segundo o qual a fixação ou alteração da remuneração dos servidores (e do subsídio de que trata o art. 39, § 4º) somente poderá ser feita por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso. Não se vislumbra onde estaria a pretendida cisão do dispositivo, a ensejar que dita “revisão geral anual” não respeitasse o princípio basilar da separação dos Poderes. Mais do que isso: se tal distinção existisse, onde estaria o “privilégio” do Chefe do Poder Executivo? Por que não seria o Poder Legislativo (primeiro na ordem topológica da “Organização dos Poderes”) ou o Poder Judiciário (considerada a posição de teto remuneratório atribuída aos seus Ministros, no inc. XI do mesmo art. 37)?

Ainda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já apontada, não serve como indicador da aludida competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Se é verdade que as decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (por Omissão) tiveram seus resultados direcionados ao Poder Executivo (Presidente da República, no plano federal, e Governadores, nos Estados), isto é conseqüência do fato de que eram estes os demandados nas ações. A ADIn nº 2061-7 teve como requerido o Presidente da República, a nº 2481-7, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, a nº 2486-8, o Governador do Estado do Rio de Janeiro, a nº 2490-6, o Governador do Estado de Pernambuco, a nº 2491-4, o Governador do Estado de Goiás, a nº 2492-2, o Governador do Estado de São Paulo, a nº 2493-1, o Governador do Estado do Paraná, a nº 2496-5, o Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, a nº 2497-3, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte, a nº 2498-1, o Governador do Estado do Espírito Santo, a nº 2503-1, o Governador do Estado do Maranhão, a nº 2504-0, o Governador do Estado de Minas Gerais, a nº 2506-6, o Governador do Estado do Ceará, a nº 2507-4, o Governador do Estado de Alagoas, a nº 2508-2, o Governador do Estado do Pará, a nº 2509-1, o Governador do Estado do Amazonas, a nº 2510-4, o Governador do Estado do Amapá, a nº 2511-2, o Governador do Estado da Paraíba, a nº 2512-1, o Governador do Estado do Mato Grosso, a nº 2516-3, o Governador do Estado do Acre, a nº 2517-1, o Governador do Estado de Sergipe, a nº 2518-0, o Governador do Estado de Rondônia, a nº 2519-8, o Governador do Estado de Roraima, a nº 2520-1, o Governador do Estado do Piauí, a nº 2524-4, o Governador do Estado do Tocantins, e a nº 2525-2, o Governador do Distrito Federal. Todas as ações foram propostas contra os Chefes do Poder Executivo. Em todas as ações o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido, para assentar a omissão do (requerido) Chefe do Poder Executivo, dando-se-lhe ciência da decisão. E nem poderia ser diferente. Absurdo seria se, na ação intentada contra o Governador, o STF decidisse considerar omisso o Presidente da Assembléia Legislativa, ou o Presidente do Tribunal de Justiça, ou o Presidente do Tribunal de Contas, ou o Procurador-Geral de Justiça.

Na trilha desta argumentação, decorrente de mais minudente estudo, é de se enfatizar a necessidade de aclarar a orientação fixada por esta Corte, quando da aprovação do Parecer nº 14/2002, para afirmar-se que o projeto da lei que trata da “revisão geral anual” referida no inc. X da Constituição Federal deve respeitar a iniciativa de cada Poder ou órgão, em cada caso, não sendo exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Cabe, novamente, esclarecer que, quando da elaboração do referido parecer, a matéria aqui enfocada não mereceu abordagem específica, porque não consistia em tema nuclear daquela Consulta.

Descabe, em sede de exame de “Relatório de Gestão Fiscal” da competência deste Tribunal de Contas, tecer maiores considerações acerca da constitucionalidade da Lei nº 10.331/2001, mas afigura-se que, no tocante aos servidores do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, há vício de iniciativa, sem falar no fato de que a “revisão geral anual” refere apenas os servidores públicos, sem atentar aos membros de Poder, em contradição com a previsão constitucional. Assinale-se que os membros do Congresso Nacional foram contemplados com o mesmo percentual, a título de “revisão”, por lei da iniciativa própria do Poder Legislativo.

No caso específico das Leis Estaduais nº 11.761/2002 e nº 11.762/2002, a justificativa das proposições foi clara, afirmando que os projetos de lei visavam “recompor os vencimentos” dos servidores do Poder Judiciário Estadual e da Magistratura Estadual, respectivamente. Mais do que isso, houve expressa menção à “recuperação parcial da perda do poder aquisitivo, que somente no exercício de 2001, pelo processo da inflação, acumulou 10,40 % medido pelo IGP-DI (FGV)”, bem como à circunstância de o projeto estar em sintonia com “a posição firmada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da ADIn nº 2481-7 – Rio Grande do Sul, em sessão de 19 de dezembro de 2001 …”.  Parece extreme de dúvidas, portanto, o fato de que tais leis efetivamente pretenderam responder à determinação contida no inc. X do art. 37 da Constituição Federal, constituindo, assim, a “revisão geral anual” ali mencionada.

O Parecer Coletivo nº 1/2003, relator o Auditor Substituto de Conselheiro Alexandre Mariotti, veio a ratificar o Parecer Coletivo nº 3/2002, assim ementado:

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. Visão sistemática orientada pela finalidade. RESTOS A PAGAR. A inscrição e o cancelamento devem observar critérios uniformes, independente da natureza do gasto. Impossibilidade do cancelamento de empenhos relativos a despesas já liquidadas. DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES E DECORRENTES DE SENTENÇAS JUDICIÁRIAS. Cômputo no exercício em que se dá a liquidação da despesa. Revisão do entendimento desta Corte de Contas. APURAÇÃO DA DISPONIBILIDADE DE CAIXA. Necessário o cotejo dos valores do Ativo Financeiro com os do Passivo Financeiro. DESPESAS COM MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE. Despesas devem ser tidas por realizadas no exercício em que se dá a respectiva liquidação. REVISÃO GERAL ANUAL. Ratificação do entendimento fixado no Parecer Coletivo nº 3/2002. PERDAS COM FUNDEF. Ratificação do entendimento fixado no Parecer nº 46/2001 e reiterado no Parecer Coletivo nº 3/2002.

Ainda, com relação à emenda à Constituição gaúcha assegurando através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices, importa consignar que as normas básicas do processo legislativo constantes da Constituição Federal são de observância compulsória pelos Estados conforme jurisprudência pacífica do STF (tendo como precedentes a ADI 766 e a ADI 2115), aí incluídas as regras relativas à iniciativa reservada previstas no inciso IV do art. 51, no inc. XII do art. 52, no § 1o do art. 61, no inc. II do art. 96 e no § 2o do art. 127.

Neste sentido, o disposto no inc. X do art. 37 é aplicável a quaisquer dos poderes, contendo referência expressa à iniciativa privativa de cada um dos chefes dos poderes, dirigidas, por óbvio, também aos chefes do Poder Executivo. Não pode, pois, sob pena de inconstitucionalidade, o texto da Constituição Estadual acrescentar regra de iniciativa que destoe do modelo da Carta Federal, nomeadamente em matéria que pende, ainda, de apreciação da Corte Constitucional, nos Recursos Extraordinários 565.089-8/SP e 592 317/RJ – com repercussão geral reconhecida – conforme antes referido.

Com esses elementos e diante de todo o exposto estão respondidas as questões submetidas a exame na presente consulta, salientando-se que a orientação, que deve ser revista si et quando houver o exame, em definitivo e com repercussão geral, das matérias ora questionadas, pelo Supremo Tribunal Federal:

É o parecer.

Auditoria, 20 de junho de 2011.

Rozangela Motiska Bertolo

Auditora Substituta de Conselheiro

Processo nº 4002-0200/10-1

 

FONTE. TCE/RS

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