Estrategistas avaliam razões pelas quais campanhas na web têm impacto limitado no Brasil

Se nos Estados Unidos a internet se consolidou como carro-chefe da eleição do presidente Barack Obama, o mesmo veículo tem menos força para interferir diretamente no processo eleitoral do Brasil. Na primeira corrida presidencial do país em que candidatos traçaram estratégias focadas nas ferramentas online, uso da web se restringiu à função de divulgação, e não de mobilização, como na vitória norte-americana. A avaliação é do especialista de inovação em Marketing, Ricardo Cappra.

Na opinião de Cappra, um dos estrategistas contratados por Obama para atuar na campanha nos países da América Latina, pelo menos três pontos explicam o abismo entre a campanha virtual dos candidatos ao Palácio do Planalto e o trabalho desenvolvido no Estados Unidos em 2008: a inclusão digital, o uso das ferramentas e a dependência da internet dos meios de comunicação tradicionais no Brasil.

Enquanto mais de 60% da população americana têm acesso à internet banda larga, o percentual brasileiro caminha para alcançar os 20%, segundo o Instituto Brasileiro de Estatísticas e Geografia (IBGE).

— Quando foi chamado para auxiliar na campanha online da Dilma (candidata do PT), o Ben Self — marqueteiro guru da campanha de Obama — alertou que o acesso ainda era baixo para repetir uma estratégia semelhante — afirma.

Se a inclusão digital foge do controle dos marqueteiros dos candidatos, a forma como a web é utilizada está diretamente ligada às coordenações das campanhas. Tanto Cappra quanto o professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Henrique Autoun, avaliam que a utilização da internet é limitada.

Para o ex-integrante da equipe de Obama, além do pontapé inicial para as ações online ter sido tardio, ferramentas como Twitter, Facebook e blogs ganharam um caráter de divulgação — diferente da eleição americana, em que a web atraiu simpatizantes através de processos de socialização.

— A campanha do Obama agregava pessoas e movimentos do mundo inteiro pela internet. Cada etapa da campanha tinha uma mobilização especial na web, o que levava as pessoas para dentro do projeto dele. Aqui usamos as ferramentas como divulgação. O material publicado na TV e no rádio também vai à Internet, mas sem sofrer as adaptações necessárias — avalia.

Apesar de classificar a campanha online como um “avanço interessante”, Autoun aponta deficiência nas estratégias para potencializar a internet na corrida presidencial. Segundo ele, a web agrega resultados quando deixa de ser vista unicamente como meio de audiência e como um espaço voltado a repercutir discussões de TVs e jornais.

— Não adianta pensar que é como televisão, que quanto melhor a audiência melhor está o candidato. A web com muita audiência e sem mobilização não vale nada. Vale quem faz coisas, e não quem simplesmente assiste.

Baixa arrecadação

Novidade na campanha deste ano, a arrecadação online também demostra a limitação da internet no processo eleitoral brasileiro. Única candidata a pedir doações em seu site, Marina Silva (PV) contabilizava R$ 168 mil de arrecadação na web até a noite desta sexta-feira. Ao todo, a coordenação do PV prevê gastar R$ 90 milhões na campanha. Nos Estados Unidos, Obama arrecadou US$ 500 milhões pela internet.

Na opinião de Autoun, as regras da doação virtual, aprovadas às pressas pouco antes do período eleitoral, são confusas, o que intimida o simpatizante a ajudar.

— Achei o procedimento confuso. A lei que permite as doações tem restrições esquisitas, que tornaram a arrecadação ambígua. É necessário construir um instrumento adequado para poder fazer a arrecadação e prestar contas, os dois procedimentos ao mesmo tempo.

Cappra também defende um processo de arrecadação “mais profissional”, com meios transparentes, com a finalidade de o eleitor acompanhar o destino do seu dinheiro. Na campanha de Obama, o doador recebia um relatório com a aplicação dos discursos.

— Doação em campanha já é um tema difícil no Brasil. Se não for de uma forma muito transparente, não vai dar certo.

Futuras eleições

Mesmo de forma tímida se comparada aos Estados Unidos, a campanha deste ano na internet mostra o quanto o espaço deve crescer nos próximos pleitos. No entanto, para garantir a ascensão, os mecanismos precisam ser aprimorados, especialmente os de arrecadação, segundo os especialistas.

— A internet cresceu de maneira tão assustadora e tão significativa que certamente vai ter um papel maior nas próximas eleições. A questão é descobrir de que maneira vão funcionar os mecanismos, porque eles não são iguais. Dependem da cultura de uso, da cultura política local — argumenta o professor da UFRJ.

O integrante da campanha de Obama relaciona o avanço do mundo online nas corridas eleitorais com a inclusão digital do país.

— O avanço depende de uma movimentação forte rumo à inclusão digital, de um ambiente mais preparado para a campanha na internet. Sem dúvida, a web terá outro peso na próxima eleição presidencial brasileira.

Fonte: ZeroHora.com

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