Reajuste automático x autonomia dos entes federados

Em virtude das limitações impostas às Câmaras Municipais pelo nosso ordenamento jurídico em nível constitucional e infra-constitucional é comum nos depararmos com soluções inovadoras e, em alguns casos, pouco cautelosas. Nas palestras e cursos que temos oportunidade de ministrar uma questão recorrente diz respeito à limitação imposta pelo art. 29, Inciso VI de nossa Constituição Federal. 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 29 – Omissis

VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

a) em Municípios de até dez mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

b) em Municípios de dez mil e um a cinqüenta mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a trinta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

c) em Municípios de cinqüenta mil e um a cem mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a quarenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

d) em Municípios de cem mil e um a trezentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a cinqüenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

e) em Municípios de trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a sessenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

f) em Municípios de mais de quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a setenta e cinco por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

A solução sugerida por alguns assessores é no mínimo polêmica.  Recomendam esses profissionais que os vereadores, quando da fixação da remuneração dos Edis para a  legislatura seguinte, o façam em valores que suportem um possível reajuste concedido, no futuro, aos Deputados Estaduais, desta forma, pregam esses estudiosos, estar-se-ia a superar a questão da anterioridade prevista em nossa Constituição Federal para a fixação da remuneração dos Vereadores e, de quebra, ainda restaria estabelecido um aumento automático caso os Deputados viessem a reajustar seus subsídios, o que é bastante comum nas Assembléias Estaduais. Se esse for, no município em análise, o menor dos limites de remuneração, acreditam esses teóricos, o valor pago, deve ser exatamente o do limite percentual estabelecido em nossa Carta Magna.

EXEMPLO:

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2
População do Município – 8.965 habitantes (art.29, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal). População do Município – 8.965 habitantes (art.29, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal).
Subsídio do Deputado Estadual R$ 10.000,00 Subsídio do Deputado Estadual é reajustado de R$ 10.000,00 para R$ 15.000,00 durante a legislatura da Câmara de Vereadores.
Limite I – Subsídio do  Prefeito R$ 5.000,00 Limite I – Subsídio do  Prefeito R$ 5.000,00
Limite II – Valor fixado na Norma (lei/resolução) p/ o subsídio dos Vereadores R$ 3.000,00 Limite II – Valor fixado na Norma (lei/resolução) p/ o subsídio dos Vereadores R$ 3.000,00
Limite III – Percentual do subsídio do Deputado Estadual 20% (art.29, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal). Limite III – Percentual do subsídio do Deputado Estadual 20% (art.29, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal).

Equivoco defendido por alguns assessores: O limite passaria de R$ 2.000,00 (situação 1) para R$ 3.000,00 (situação 2) sem problemas com a anterioridade estabelecida na Constituição Federal, ou seja, os Vereadores teriam assegurado um aumento automático em virtude do reajuste instituído no subsídio dos Deputados Estaduais.

Nossa análise: O limite remuneratório tanto no momento inicial (situação 1) quanto no segundo momento (situação 2) deveria  permanecer R$ 2.000,00 (R$ 10.000,00 x 20%). Ademais, a fixação da remuneração dos Vereadores (limite II) jamais poderia ter sido acima dos 20% do Deputado (R$ 2.000,00) pelos motivos a seguir expostos.

Primeiro – A solução proposta até parece razoável, digo parece, porque em questão semelhante quando a analisar se os Vereadores poderiam ter suas remunerações fixadas em percentuais da remuneração estabelecida aos Deputados Estaduais (indexadas) o STF[1] entendeu que se fosse admitida esta indexação se estaria a ferir o Principio da autonomia dos entes federados, pois a fixação da remuneração dos Edis, em ultima análise, estaria além dos limites do Município e assim, os próprios vereadores teriam delegado o poder desta fixação aos Deputados Estaduais. A questão agora imposta não é a mesma tratada pelo STF, mas não vemos como dissociar a fixação em valores absolutos que superem os percentuais estabelecidos no art.29, VI da Constituição Federal para futuro ajuste automático, da impossibilidade de indexação à remuneração dos Deputados tratada pela Corte Maior, pois, em ambos os casos, o Princípio da autonomia dos entes federados resta descumprido.

Segundo – A administração pública não pode se afastar dos princípios administrativos estabelecidos no caput do art.37 de nossa Constituição Federal dentre eles o da Legalidade. Admitir fixação em valores que superem os percentuais acima tratados é admitir infringência à nossa Constituição e ao princípio da Legalidade.

Por todo o exposto, entendemos que a fixação da remuneração além dos limites dos percentuais impostos pela Constituição Federal, ainda que não pagos no primeiro momento, está a infringir o Princípio da Autonomia dos entes federados (Pacto Federativo/Autonomia Municipal) e o Princípio da Legalidade.

Escrito por Will Lacerda. Co-autor do livro Vereadores (Reflexões acerca dos entendimentos dos Tribunais de Contas e Cortes Judiciárias); Mestre em Gestão Pública; Técnico de Auditoria do TCE/PE.

[1] ADI 303; 691; 891; 989 e 3.461.

Foto: Joshua Davis

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