Os PERIGOS por trás de uma inelegibilidade!

O Brasil esteve mergulhado por mais de 20 anos em um tempo escuro, ditatorial, literalmente de “chumbo”. E ao raiar do sol da liberdade, o país aprendeu a cantar com um “Coração de Estudante”, versos imortalizados com a eleição e morte de Tancredo Neves, mas, hino que embalaria a tão sonhada Constituição Federal de 1988 – a Constituição Cidadã.

A nossa Lei Maior recebeu esse nome por defender de maneira intransigente os direitos e garantias fundamentais do cidadão, conforme previsto em seu art. 5° e reforçado nas Cláusulas Pétreas contidas no seu art. 60. E foi nesse clima de euforia e entusiasmo que o então mais jovem Deputado Federal do Brasil, Cássio Cunha Lima, talvez não tivesse a exata noção sobre a dimensão de termos tão importantes como “presunção da inocência”, “irretroatividade de lei”, “soberania popular”, “coisa julgada”, “controle de constitucionalidade”, e, especialmente, “segurança jurídica”.

Com os anos o jovem Deputado ainda seria Prefeito de Campina Grande por 03 vezes, novamente Deputado Federal e Governador do Estado da Paraíba, por 02 mandatos, ou melhor, por 01 mandato e meio. Tal aberração foi fruto de um Golpe Institucional em pleno Século XXI, situação que já começou a afrontar a amada Constituição Brasileira em seu art. 81, o qual exigiria uma nova eleição de forma indireta, ou seja, caberia aos Deputados Estaduais a escolha do novo Governador e jamais ao TSE.

Nesse sentido, a Paraíba e eleitores se sentiram golpeados, em pleno Estado Democrático de Direito, e a frase “soberania popular” já começou a ficar distante da realidade. Hodiernamente, está na mídia e na moda a LC n° 135/2010 – popularmente batizada como Lei da “Ficha Limpa”. Hoje, o mesmo personagem ocupa a atenção popular com o julgamento que indeferiu sua candidatura ao Senado. Em artigo anterior já comentamos e defendemos sua importância, porém, como dito naquela ocasião, é preciso controlar a ansiedade e enxergar o avanço que surtirá seus frutos com o tempo.

Contudo, a pressão popular foi mais longe, conseguiu que o Tribunal Superior Eleitoral afrontasse a Constituição Federal mais uma vez, tanto que o Supremo Tribunal Federal já está sendo acionado para se posicionar a respeito. Com efeito, a decisão de aplicar imediatamente a Lei Complementar n° 135, de 04 de junho de 2010, feriu não somente o princípio da anualidade da lei, aquele que exige que ela tivesse sido publicada até 03 de outubro de 2009, como ainda, avançou para destruir bases fundamentais do Brasil, como a “coisa julgada” e a “segurança jurídica”.

A segurança jurídica é garantida, dentre outros preceitos, pela irretroatividade da lei e a coisa julgada, respeito aos direitos adquiridos, respeito ao ato jurídico perfeito, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral, declarações de direitos e garantias individuais, justiça social, devido processo legal. Destarte, podemos concluir que o princípio da segurança jurídica possui dependência com direitos e garantias fundamentais da nossa Carta Magna, sendo estes os institutos que lhe darão maior efetividade.

Quanto ao que chamamos de Cláusulas Pétreas, que não podem ser modificadas, temos o próprio princípio da anterioridade eleitoral, porém, como vimos e assistimos, o TSE decidiu por maioria que a “Lei é aplicável às eleições deste ano!”. Contrários a essa afronta restaram o brilhante Ministro Marco Aurélio e o Ministro Marcelo Ribeiro, este último que chegou a defender “ser melhor um novo julgamento, pois, ao menos, o acusado poderia exercer sua ampla defesa”.

Como vemos, é louvável a atitude que almeja evitar candidatura de quem eventualmente não possua conduta pessoal ou profissional compatível com a moralidade político-representativa, no entanto, não há como defender uma norma que afronta “Direitos e Garantias Fundamentais”, ou seja, em um país de pobres rimas, é descabido querer combinar “moralização” com “perseguição”, “justiça” com “vingança”.

Ora, o princípio da presunção de inocência, uma garantia constitucional com raízes no direito romano e previsão expressa na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, não pode, em absoluto, ser extinto diante de uma lei flagrantemente inconstitucional, como bem definiu o Relator Des. Manoel Monteiro no TRE/PB, quando defendeu no caso “Cássio” ser “anomalia” – quando no caso existe uma inelegibilidade de 03 anos como pena e esta já foi cumprida antes mesmo da edição da LC n° 135/2010!

De forma clara quis dizer o Relator que o Judiciário não precisa “jogar para o povo”, não pode ceder ao clamor da opinião pública, que, mesmo cansada de políticos corruptos e desonestos, jamais poderia infringir uma das mais importantes conquistas do Estado Democrático de Direito. Pena que a mensagem não foi repercutida entre os pares!

Nesse sentido, o Excelso STF já se manifestou em favor da preservação do princípio da Presunção de Inocência ao julgar improcedente a ADPF 144/DF, a qual teve como Relator o Ministro Celso de Mello, que esclareceu “a presunção de inocência, legitimada pela idéia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”.

No mesmo sentido, a Ministra Carmem Lúcia complementou dizendo que, ao se permitir “o veto a candidato processado sem sentença transitada em julgado, estaria transgredindo ao princípio da segurança jurídica”. E o que dizer de um candidato que já cumpriu a sua pena? E a coisa julgada? Talvez por tudo isso os TRE´s do Maranhão, Pará, Tocantins e Rio Grande do Sul não estão aplicando a Lei “Ficha Limpa”, que se pronunciem o TSE e o STF, afinal, a “soberania do voto” e a “segurança jurídica” agradecem!

Escrito por Otiviano Barbosa

Fonte: wscom.com.br

2 comentários

  1. Maria Terezinha de almeida Menenzes

    Concordo plenamente com esse artigo.
    Até que enfim, não estou sozinha nas minhas convicções.
    Essa intitulada lei da ficha limpa parece rasgar a nossa constituição, ferindo de morte princípios constitucionais garantidos.
    É inconstitucional essa lei.
    Sou contra políticos corruptos também, mas não é por aí que vamos combatê-los. E a democracia onde fica? E a soberania popular?
    Esse texto parece ser escrito por mim, pois é o que justamente bato na tecla e os menos desavisados parecem que querem me crucificar, achando que sou favorável a político corrupto. Falta de conhecimento, é claro.
    Um grande abraço.

  2. Willian

    Tudo o que foi dito sobre a importância do princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade é verídico. O equívoco foi confundi-lo com a causa da inelegibilidade.
    Na minha opinião, no mesmo sentido do TSE, inelegibilidade não é condenação. Ademais, o próprio constituinte possibilitou um alargamento das causas de inelegibilidade, no §9º do art. 14 da CF.
    Assim, a Lei da ficha limpa apenas inseriu um requisito a mais para que os cidadãos pudessem exercer a função de agentes políticos. Isso vai de encontro com o princípio da moralidade e com o interesse público.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *