Teto para os gastos públicos: uma alternativa ou uma necessidade?

A pauta política tem sido bastante intensa (salários acima do teto, foro privilegiado, reforma da previdência, pacote anticorrupção, reforma do ensino médio, entre outros), mas nenhum outro assunto tem tomado maior atenção que a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece limite para os gastos públicos para a União. Percebo, entretanto, que o debate acerca do tema ocorre de forma bastante desinformada por parte da sociedade.

Esse texto não tem o propósito de esgotar o tema ou entrar em detalhes técnicos de difícil compreensão, se é que é possível tratar de contas públicas e orçamento de forma compreensível a todos, mas pretende apresentar informações pouco conhecidas da população em geral. A ideia é subsidiar o leitor interessado e provocar uma reflexão mais substancial acerca do assunto.

O Brasil vem registrando déficits crescentes nas contas públicas, ano após ano. Em 2014, gastamos R$ 17 bilhões a mais do que arrecadamos. Em 2015, essa conta foi de R$ 115 bilhões. Em 2016, a expectativa é de que as contas fechem no negativo de R$ 170 bilhões. E para 2017, o Governo Federal prevê um rombo de R$ 139 bilhões (já contando com a melhoria no cenário econômico em decorrência do ajuste fiscal em discussão). Apenas entre 2014 e 2017, o rombo poderá ultrapassa o montante de R$ 441 bilhões. E não é muito relembrar que anterior a 2014 ocorreram as pedalas fiscais que maquiaram as contas públicas.

Sob o ponto de vista técnico, se nada for feito, essa tendência (de déficit) se manterá constante, o que levará o país a uma situação ainda mais delicada, exigindo um remédio econômico cada vez mais amargo à medida que o tempo passa.

Em economia não há soluções mágicas, mas há fórmulas conhecidas para combater o desequilíbrio das contas públicas. Algumas das práticas adotadas por outros países não são possíveis no Brasil, em razão da ordem constitucional, que a seguir comentaremos. Das que são possíveis, para cada cenário um remédio e uma dose diferente para atender à gravidade da situação existente. Se a despesa se apresenta em valores maiores que a receita, uma opção seria reduzir a despesa, por meio de cortes dos gastos públicos, até equilibrar o orçamento. De lado oposto, outra opção seria elevar a receita, aumentando os tributos.

A história brasileira revela uma opção inclinada ao aumento de tributos. Ocorre que a economia já não suporta tamanha carga tributária (hoje em torno de 35% do PIB), que tem sobrecarregado o setor produtivo, e a sociedade não aceita mais entregar recursos ao Estado em troca dos serviços insatisfatórios que recebe, acrescentando-se a essa irresignação o fato de que as receitas públicas são mal geridas e que parte delas tem servido para financiar a corrupção. A despeito disto, a fim de dar suporte às discussões, é importante relembrarmos as propostas de aumento de tributos que a equipe econômica do governo anterior chegou a discutir.

A prioridade era aprovar uma nova CPMF, numa proposta que sugeria uma alíquota de 0,2% (valor acima disto, pertenceria aos estados e municípios), o que renderia algo próximo a R$ 40 bilhões aos cofres públicos da União. Sabendo da dificuldade política de se aprovar a criação desse tributo, por exigir Emenda Constitucional (quórum qualificado de 3/5 dos parlamentares), o governo trabalhava em elevar, por decreto, a CIDE – Combustíveis de R$ 0,22/litro para R$ 0,60/litro. Essa medida traria ao governo uma receita de R$ 12 bilhões (e junto com ela um impacto imediato na inflação e no seu bolso). Além destas opções, voltou-se a considerar a proposta de estabelecer alíquotas maiores do Imposto de Renda Pessoa Física, criando as faixas de alíquotas de 30% e 35%. Com isso, esperava-se agregar ao caixa do governo um montante de até R$ 7 bilhões. Também com relação ao Imposto de Renda, propôs-se elevar a taxação sobre ganho de capital na venda de imóveis, que era fixa em 15%, mas que, a depender do valor do imóvel, poderia chegar até 30% com a nova proposta. Com essa medida, algo em torno de R$ 1,8 bilhão era esperado. Apenas esta última proposta foi aprovada, e o rombo de R$ 170 bilhões, previsto para esse ano, já prevê a receita deste tributo.

Sem entrar no mérito dos danos que seriam causados à economia e ao setor produtivo do país, suponhamos uma situação em que o governo desfrutasse de apoio político para aprovar e executar todas as demais medidas de aumento de tributos propostas e acima comentadas, e que você, cidadão, concordasse em pagar mais R$ 0,38 no litro do combustível, em pagar 35% de Imposto de Renda, concordasse com a volta da CPMF na sua conta bancária, o governo poderia arrecadar R$ 59 bilhões. Como o déficit é de R$ 170 bilhões, ainda faltariam R$ 111 bilhões para fechar a conta só do exercício de 2016.

É difícil imaginar um cenário favorável ao aumento de tributos, sobretudo depois de a sociedade já ter arcado com a aprovação de pacotes estaduais nesse sentido, além dos que ainda virão e já estão sendo anunciados pelos Estados. Apenas para ilustrar, tomando-se Pernambuco como exemplo, o Estado aumentou de 27% para 29% o ICMS sobre a gasolina, de 28% para 30% o mesmo imposto sobre a telefonia, e de 10% para 15% nos serviços de TV por assinatura. O IPVA anual dos veículos teve alíquota elevada de 2% para até 6%. O ITCD (doações e causa mortis), a alíquota, que era de 5%, pode chegar até 8%.  Abaixo, um levantamento realizado pela Folha, nos estados que informaram aumento de tributos.

ajustes-estaduaisClique na fonte do gráfico acima.

Rio Grande do Sul foi o Estado que mais arrecadou com o pacote estadual de aumento de tributos, e essa semana decretou o estado “de calamidade financeira”.

Voltando para a conta que fazíamos da União, sem receita suficiente, outra opção seria reduzir a despesa, mas não há muita margem de cortes nos gastos públicos para o alcance do equilíbrio. Sabemos que no Brasil não se pode cortar salário de servidor público ou reduzir aposentadorias e pensões em razão do princípio da irredutibilidade. Essa proteção não existe em outros países. A Espanha, por exemplo, adotou, de forma temporária, a redução de salários e aposentadorias para sair da última crise.

Para fins de compreender a dificuldade Brasileira, trazemos algumas informações do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício de 2017, que estima um orçamento de despesas primárias no montante de R$ 1,316 trilhão, dos quais R$ 958,6 bilhões (73% da despesa fixada) são “intocáveis” (Previdência Privada, Pessoal Ativo e Inativo e demais despesa obrigatórias). Ou seja, em sua grande maioria, os gastos do governo não admitem intervenções, salvo se a Ordem Constitucional for rompida. A propósito, vejamos que mais de 50% da despesa se refere às aposentadorias e pensões (previdência privada e pessoal inativo da União).

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Os 27% restantes do orçamento, parte não “intocável”, que poderiam ser objeto de cortes, compreendem os recursos da saúde, exceto pessoal (a exemplo de medicamentos, material hospitalar, manutenção dos hospitais e unidades de saúde, ambulâncias, entre outros), abono e seguro-desemprego, programas como “minha casa minha vida”, os recursos da assistência social (deficientes, idosos e vulneráveis), os recursos do PAC (investimentos), os recursos da educação, exceto pessoal (a exemplo livros, manutenção das universidades e unidades de ensino, entre outros) e, por fim, o programa bolsa família.

Num exercício de exclusão, passemos a analisar onde seria possível o corte do gasto público. Vamos cortar os recursos da saúde, sistema já precário e que tem recebido, a cada dia, um exército de desempregados (e suas famílias) que migram dos planos privados para a rede pública? Parece que há um sensato clamor social, por questões de dignidade humana, que impede cortes na área de saúde. Então vamos cortar os recursos da educação? Onde? Vamos cortar a energia das universidades, a água, a limpeza, a vigilância, etc.? Vamos cortar a bolsa do estudante que deixou o emprego e se dedica a um programa no exterior, vamos determinar sua volta imediata? Em 2015, cortes foram feito no FIES, houve problemas com o PROUNI e PRONATEC. Qual seria a sugestão?

Se não houver cortes na saúde e educação (R$ 94,9 bilhões + R$ 33,7 bilhões), restariam, pois, apenas R$ 229,1 bilhões do orçamento, e que seriam relativos aos programas sociais (assistência e bolsa família), dos programas de apoio ao desemprego, dos recursos do PAC (construção e reconstrução de rodovias vias, pontes, transposição do Rio São Francisco, investimento em energia para evitar as ameaças de apagões, construção de barragens e açudes, equipamentos da polícia, entre outros) e as despesas administrativas relativas a todos os órgãos federais distribuídos pelos mais diversos rincões deste país, a exemplo da Polícia Federal, Receita Federal, Procuradorias, Órgãos Ambientais, Ministérios, e por aí segue. Qual a sugestão de corte? Precisamos de R$ 111 bilhões para equilibrar o orçamento.

Seria razoável pensar em extinguir/reduzir o programa bolsa família (R$ 29,7 bilhões), o seguro desemprego (R$ 57,4 bilhões) ou deixar os idosos, deficientes e demais vulneráveis desamparados (50,9 bilhões)? Se não houver cortes nessas áreas, sobrariam, então, apenas R$ 90,9 bilhões do PAC e demais órgãos federais.

Essa “sobra” (R$ 90,9 bilhões), se cortada por inteiro, o que é absolutamente impossível, não alcançaria o valor que precisamos, ou seja, R$ 111 bilhões para equilibrar o orçamento. Porém, é importante recordamos, estamos partindo da premissa de que todas as medidas de aumentos de impostos fossem aprovadas, o que não seria provável. Mantendo o raciocínio nessa linha, apenas para fins didáticos, poderíamos cancelar todos os gastos com o PAC (R$ 35,8 bilhões) e fechar todos os órgãos federais distribuídos no país (R$ 55,1 bilhões), já que não se teria recursos para pagar energia, material de expediente, telefone, pessoal terceirizado? É até sem sentido maiores comentários. Ainda assim, faltariam R$ 20,1 bilhões para fechar a conta do déficit de 2016?

Em síntese, se todas as medidas de aumento de tributos fossem aprovadas e executadas, teríamos que realizar cortes no montante de R$ 111 bilhões, mas não há margem para cortes da despesa pública nesse montante. O governo vinha camuflando as contas públicas, a exemplo das pedaladas, e desde 2014 o rombo tem sido financiado por meio de empréstimos realizados pela União.

A principal forma de o Governo captar recursos é a emissão de títulos públicos, e isso é um grande problema, pois aumenta a dívida pública. Quanto maior a dívida pública, pior a confiança sobre o país, e maior é a remuneração (juros) que se tem que oferecer para obter empréstimos. Sem deixar de registrar que outras fontes mais “baratas” fecham as portas quando o Brasil perde o selo de bom pagador, o que aconteceu.

 A União remunera hoje os donos desses títulos a uma taxa de 14% anuais (SELIC). Segundo economistas, a cada 1% da taxa Selic, o impacto anual nas contas públicas é algo entre R$ 10 e 14 bilhões. Em termos práticos, a Dívida Pública, que em janeiro de 2015 perfazia o montante de R$ 2,247 trilhões, alcançou, em setembro de 2016, o total de R$ 3,047 trilhões. O projeto de Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2017 prevê o pagamento de juros e encargos da dívida no montante de R$ 339 bilhões. Em relação ao PIB, a Dívida Pública representava 51,3% do Produto Interno Bruto em 2011, e fechará 2016 a uma proporção de 72,5%. A expectativa é que ela ultrapasse 80% do PIB. Pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país tem uma dívida de 78% do Produto Interno Bruto (PIB). A média das demais nações é de uma dívida em torno de 47% do PIB, segundo informou o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida (fonte).

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Aproveitando o ensejo, não poderia deixar de comentar o discurso que recomenda a moratória da dívida pública. Poderíamos citar inúmeras razões de fácil compreensão, mas citemos apenas o dado de que grande parte dos títulos públicos pertence ao mercado nacional, formam o capital dos fundos de investimentos, fundos de pensões, aplicações bancárias, tendo apenas 15% deles na posse de investidores não residentes no país. Ou seja, caso a União opte por não honrar os títulos, você que tem dinheiro aplicado no banco perderia esse valor, você que tem um plano de previdência privada não mais receberia o retorno do dinheiro aplicado, você poderia não se aposentar, ou, se aposentado, poderia ficar sem receber, uma vez que, por força de lei, os regimes de previdência têm suas reservas aplicadas em títulos públicos (no Brasil, além do Regime Geral de Previdência, existem mais de 02 mil Regimes Próprios de Previdência estaduais e municipais, além do federal). Seria o absoluto colapso do sistema financeiro e previdenciário. O custo das operações de crédito se tornaria inviável, algo muito além das alarmantes taxas de juros já praticadas no mercado. Só o completo desconhecimento encampa essa sugestão.

Se o Brasil não conseguir economizar para controlar o crescimento da dívida, o governo vai ter de pagar juros maiores para se financiar. Se não há viabilidade política e econômica para aumento da carga tributária, nem tal medida se faz suficiente, e se não há margem para cortes nos gastos públicos que consiga levar o país ao equilíbrio, como então enfrentar o problema das contas públicas e controlar o crescimento da dívida? Economia em recessão, receitas públicas em queda, despesas em ascensão e dívida pública crescente formam a equação perfeita que conduzirão o país ao colapso. Algo precisa ser feito, e urgente.

Não há solução mágica, mas a proposta de um limite para o crescimento das despesas é uma alternativa que impõe uma disciplina de responsabilidade e sinaliza que o país reverterá o cenário de déficit e dívida pública crescente, exigindo, entretanto, paciência e uma correção gradual nas finanças. A proposta de que o teto para as despesas públicas vigore no prazo de prazo de 20 anos, com a possibilidade de, a partir do 10º ano, as condições serem revisadas (por meio de lei complementar), é sensata, tem todo o sentido, e traz um impacto significativo num requisito fundamental da economia, a segurança, que forma a base da confiança/credibilidade.

O país precisa voltar a crescer, e nesse momento, o controle dos gastos busca reduzir a dívida público, que contribui para a volta confiança e atrai o investimento privado. Com emprego e renda, o brasileiro volta a consumir, gerando, por um lado, tributos e, por outro, reduzindo a dependência do Estado, o que contribui para o controle da despesa. Com a crise, mais pessoas procuram se abrigar no Estado. Em 2015, mais de um milhão de planos de saúde foram cancelados, com esse contingente migrando para o sistema público de saúde. No mesmo sentido, muitos foram da escola particular para a pública, muitos perderam o emprego e procuraram os programas de proteção do desemprego, as receitas previdenciárias caem pela redução de contribuintes que ficaram desempregados, e as despesas aumenta com  o pagamento do seguro desemprego. Enfim, é uma avalanche que vai arrebentando tudo. O consolo é saber que o caminho inverso se desenvolve da mesma forma, numa avalanche positiva.

É fácil compreender a crise que o Estado passa e não há dúvida quanto às razões que a motivou. Temos que percorrer o caminho de volta, freando o crescimento dos gastos – que se comportaram de maneira alarmante e irresponsável, desrespeitando a capacidade financeira do Estado -, e com isso enfrentarmos o déficit e a Dívida Pública. Esse é o caminho proposto pelo Governo Federal. Mas desde já faço uma crítica, o fato de a proposta apenas se referir à União. Os Estados e os Municípios não foram alcançados, e se estes não adotarem postura semelhante, além de sobrecarregar a União, tão logo irão encontrar o dramático cenário que hoje assola o Rio de Janeiro e que esta semana abateu o Rio Grande do Sul.

A proposta apresentada é sensata, responsável e louvável, uma vez que não exige da sociedade mais sacrifício por meio do aumento da carga tributária, tampouco se está realizando cortes de gastos públicos, é importante registrar isso. O que há é, tão somente, a implantação de uma política de responsabilidade fiscal mais firme que a necessária em tempos de normalidade, e que se deve à bagunça nas contas públicas do Brasil. Nada disso estaria sendo discutido se as leis e os princípios de finanças públicas tivessem sido respeitados, a exemplo dos comandos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), lei esbofeteada nos últimos anos, em todas as esferas (União, Estados e Municípios).

Outro ponto que deve ser destacado é que não se trata de proposta de um governo ou de um partido. O Ministro Nelson Barbosa, do Governo Dilma, antes do impeachment, também defendeu um teto para o gasto público. Aliás, desde 2005, o Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, do Governo Lula, sustentava a necessidade de limitar os gastos ao crescimento do PIB, e que essa medida deveria se dar por 10 anos, até que a relação Dívida/PIB fosse reduzida. Nessa época, não havia déficit orçamentário, e sim superávit, mas não o suficiente para reduzir a dívida pública que equivalia a 51% do PIB. Vejamos trecho de uma matéria publicada pela Folha, que, de forma geral, sintetiza o conteúdo, o alcance e o objetivo da proposta:

O ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, defendeu ontem, no Rio, que o Congresso Nacional defina limites de gastos e de receita do setor público para os próximos dez anos. Na prática, isso significa o estabelecimento, para os futuros governos, da economia que a administração deverá fazer para os pagamentos de juros da dívida pública, o chamado superávit primário.

Na opinião de Palocci, a definição dessas metas por uma década emitiria ao mercado o sinal de que o país como um todo está comprometido com o ajuste fiscal e o esforço de redução do tamanho da dívida pública em relação ao PIB, que hoje está em 51%.

A consequência da maior confiança seria a redução dos juros que o país paga para captar dinheiro no mercado externo, expressado no risco Brasil, e que as pessoas físicas e empresas desembolsam para se endividar dentro do país. No jargão financeiro, esse é o “spread” bancário, que é a diferença entre a taxa básica de juros da economia definida pelo Banco Central e o que é cobrado do tomador de crédito. Quanto maior a percepção de que há o risco de o empréstimo não ser pago, maior é o “spread”.

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O cenário atual é complemente diferente. A economia está em grave crise. Em 2005, havia pequeno superávit, e hoje um grande déficit. A dívida pública correspondia a 51% do PIB, hoje está em 71%, fechará ao final de 2016 em 72,5%, e as estimativas (do governo e dos economistas) são de que passará de 80% nos próximos anos, mesmo que aprovado teto de gastos público, alcançado seu ápice em 2022/2023, quando então será iniciada a trajetória de redução.

A proposta de 2005 previa um teto por 10 anos. A proposta de hoje trabalha com 20 anos. Em 2005 a iniciativa previa reduzir a dívida imediatamente, ampliando o superávit primário já existente. No cenário atual, mesmo que aprovada a proposta, a dívida pública continuará crescendo e só daqui a 06 ou 07 anos é que será alcançado o ápice e iniciada a trajetória de redução. É por isso que exige um prazo mais longo. Se em 2005 a proposta do Ministro Palocci tivesse sido aprovada, certamente o país estaria numa situação completamente diferente, quiçá uma potência econômica.

É preciso tratar o tema com responsabilidade, sem histerismo. “Não há almoço grátis”. A sociedade tem que decidir se prefere uma proposta sem aumento de impostos e sem cortes de despesas, como é a que está sendo proposta, ou se prefere entregar mais tributos ao Estado e ver programas sociais e outras áreas fundamentais sofrendo restrições ainda maiores que as atuais.

O desafio do Brasil é imenso, não encerrando com a discussão de teto de gastos públicos, fazendo-se necessário realizar outras reformas, como a da previdência. Conforme destacado no início do texto, mais de 50% da despesa se refere às aposentadorias e pensões (públicas e privadas). Sem a reforma da previdência, torna-se inócua a tentativa de frear os gastos públicos tendo em vista que os gastos previdenciários não são passíveis de cortes. Uma vez adquirido o direito à aposentadoria e pensão, o Estado arcará com essa despesa. Se mantido o modelo atual, certamente haverá a necessidade de outras intervenções, a exemplo do que propôs o Rio de Janeiro agora (sem entrar no mérito da legalidade das medidas) com uma alíquota suplementar de 16%, além do aumento da contribuição ordinária para 14%. Não há soluções mágicas. A sociedade precisa compreender que a conta tem que fechar, e se os gastos previdenciários mantiverem sua trajetória, mais a frente estaremos novamente fazendo esse exercício de como aumentar tributos ou que gastos cortar, com a diferença é que a margem de cortes será menor. Não queiramos assistir o Supremo Tribunal Federal autorizar, diante de uma convulsão financeira, cortes no valor dos benefícios previdenciários já concedidos e nos vencimentos dos servidores da ativa. Não queiramos!

A previsão é que a soma o déficit do Regime Geral de Previdência Social – RGPS (que atende à iniciativa privada) e do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS (que atende ao setor público) alcança R$ 194,9 bilhões. A título de comparativo, R$ 128,6 bilhões é a previsão de gastos com saúde e educação (exceto pessoal) em 2017.

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Mas o debate sobre a previdência é uma etapa seguinte. A provocação tem como objetivo já registrar e alertar que sem a reforma da previdência, torna-se inócua a tentativa de frear os gastos públicos, e o desequilíbrio levará o país à bancarrota em pouco tempo. Algo precisa ser feito, urgentemente, até porque se trata dos gastos consideráveis “intocáveis”, não sujeitos a ajustes depois de concedidos (exceto se a ordem jurídica for rompida). Vale lembrar que uma vez modificadas as regras, só valerão para quem ainda vai se aposentar.

Há muitas questões relacionadas ao tema, porém complexas e que fogem ao escopo desta provocação. Há também “sugestões” vendidas sem qualquer efetividade. Semana passada, conversando com um colega que representa um sindicato, ouvi dele o seguinte: “porque não acabamos com os privilégios dos parlamentares”? É verdade, há muita coisa que não se coaduna com a república, que deve ser atacado diuturnamente, conte comigo nessa luta, disse a ele. Mas esclareci também que essa medida, embora ofereça justiça social e alívio republicano, entre tantas outras questões, não resolve o problema. De forma pragmática, enquanto que o rombo das contas públicas em 2016 é de R$ 170 bilhões, o Congresso Nacional (Senado e Câmara) custa R$ 10 bilhões. Ou seja, se acabássemos não só com os privilégios parlamentares, mas sim com o Congresso Nacional por inteiro, o que se cogita apenas para fins matemáticos, seriam necessários 17 Congressos Nacionais (Senado e Câmara) para cobrir o rombo de 2016. Na verdade, a conta não seria essa, já que R$ 4,1 bilhões do orçamento do congresso (40%) se referem a inativos (“intocáveis”). É esse tipo de solução histérica que não agrega valor ao debate. De toda forma, é possível e preciso conter os abusos nos poderes legislativos, independente do debate relativo ao limite de gastos públicos.

Na pauta também deve estar o debate dos supersalários. Estima-se que sejam gastos aproximadamente R$ 10 bilhões com valores que superam o teto da remuneração do serviço público. A sociedade, no lugar de invadir prédios públicos por algo, muitas vezes, que não sabe do que se trata, poderia se voltar para questões que são um acinte e que espancam a moralidade, conforme revelam inúmeras matérias de jornais, com remunerações no serviço público que ultrapassam os R$ 100 mil mensais. De toda forma, esse tema por si só, não resolve o rombo das contas públicas, o que não impede que seja enfrentado.

A propósito, fiz um artigo sobre PLP 257/16, que tem por objeto fortalecer a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n.º 101/2000), amplamente desrespeitada por meio de fórmulas, maquiagens e penduricalhos que engordam a remuneração da elite do serviço público e que pode esclarecer parte das razões da crise que passa, por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro. Para acessar o texto, clique aqui.

Enfim, como proposto, a ideia é subsidiar a sociedade com informações que não estão disponíveis facilmente.  É preciso evoluir, superar o discurso populista, debatendo e propondo alternativas com informações. Os desafios são imensos, e o país precisa de ajustes, de controle de despesas e de responsabilidade fiscal.

* Escrito por Rogério de Almeida Fernandes, Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Graduado em Contabilidade pela Universidade Federal da Paraíba e em Direito pela Faculdade dos Guararapes. Pós-graduado em Direito Público com foco no Controle Externo pela Escola da Magistratura de Pernambuco. Coautor do livro Vereadores (Reflexões acerca dos entendimentos dos Tribunais de Contas e Cortes Judiciárias).

4 comentários

  1. Glaura Brito

    Excelente artigo, não existe fórmulas magicas devemos trabalhar com a contenção de gastos públicos, rever os cargos que foram criados nos últimos quatro anos principalmente os das, se realmente são necessários, rever as vantagens de políticos e aposentadorias e benefícios sem a contribuição necessária temporal para a concessão, implantar a contabilidade de custos no setor publico para o controle do desperdício enfim de grão em grão deve-se corrigir os erros cometidos ao longo dos anos e o principal sermos vigilantes com os desvios de recursos públicos!

  2. Luiz Corrêa

    A Administração Pública é ruim com muitos gastos não prioritários e desperdícios.
    Os políticos tem que tornar a Gestão Pública boa.
    Tem que diminuir bastante a corrupção, a sonegação e a evasão de divisas.
    Os cortes devem ser feitos na grande despesa com os gastos não prioritários, com os desperdícios e com a corrupção.
    A arrecadação deve ser aumentada com a diminuição da grande sonegação e evasão de divisas.
    A PEC 55 e reforma da previdência não iram resolver o problema
    de muito dinheiro que vai para o ralo por causa da má Administração Pública e corrupção e de muito dinheiro que não é arrecadado por causa da sonegação e evasão de divisas.

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