A inconstitucionalidade das leis autorizativas e o importante papel do Parecer Jurídico no controle preventivo de constitucionalidade.

Hodiernamente são constantes as utilizações de um peculiar “instrumento normativo” pelos legisladores: as chamadas “leis autorizativas”, que dispõem sobre matérias da alçada do Poder Executivo, em especial a celebração de convênios, a consecução de obras e programas.

Nos Municípios a incidência é ainda maior que nos demais entes da federação, conseqüência advinda, principalmente, da grande dificuldade do Judiciário em reprimir e fiscalizar todos os atos realizados pelos mais de cinco mil existentes.

Outro fato que contribui para o uso exacerbado dessas espécies sui generis desprende das regras de competência estabelecidas pelo art. 30 da Constituição Federal, no qual foram descritos conceitos abertos, como “interesse local” e “suplementar”, o que acaba exigindo um grande esforço do intérprete na definição das matérias municipais.

Desse trabalho árduo, resulta ao legislador municipal um campo material muito restrito, o que acarreta numa produção legislativa desinteressada, versando basicamente sobre leis revogadoras, alterações formais no Plano Diretor, criação de datas comemorativas municipais e a denominação de ruas e praças.

Nesse contexto de ócio produtivo e de despreparo hermenêutico surgem as denominadas “leis autorizativas”, que podem ser facilmente identificadas por verbos facultativos que nada impõem ou asseguram ao chefe do Executivo, sendo comuns as expressões: “Fica autorizado”, “Faculta-se” ou “Pode o Executivo”.

Na realidade esses instrumentos não são normativos, nem tampouco podem ser chamados de leis. Estas, diferentemente, são dotadas de características como a imperatividade, a coercibilidade, a generalidade e a abstratividade, bem como possuem uma finalidade lógica, em respeito ao brocardo que diz que elas“não devem conter palavras inúteis”.

Ademais, até mesmo a sua denominação se revela um equívoco, pois a letra morta do texto nada obriga nem autoriza, diferentemente do que ocorre com as legítimas “leis autorizativas” previstas no art. 167, V da Constituição Federal, utilizadas para a abertura de créditos.

Assim, verifica-se que no sistema atual, o chefe do Poder Executivo ficou incumbido de estabelecer as políticas e diretrizes administrativas, bem como criar programas de governo. É o exercício de suas funções típicas independentemente de qualquer intromissão. Esse preceito advém do imperioso respeito ao princípio da separação dos poderes, considerado cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, inciso III da Constituição Federal.

Separação que é mitigada pelo sistema de freios e contrapesos, garantidor da coexistência pacífica das funções típicas e atípicas num mesmo Poder, e que, mesmo assim, não amparou o legislador a adentrar no espectro de discricionariedade e conveniência do Poder Executivo.

Vale dizer que, se a função de governo e de Administração não fosse estritamente do chefe do Executivo, seria ilógico o constituinte tê-lo dado a iniciativa privativa para a elaboração das leis orçamentárias – de forma a prever como e onde deveriam ser gastos os recursos públicos – se ele pudesse ser surpreendido por alguma nova despesa oriunda de obra, convênio ou programa exigida pelo Legislativo.

Por esse motivo, em respeito à separação de poderes, o necessário contrapeso se revela na previsão de alguns instrumentos alternativos. É o caso das denominadas “Indicações”, existentes em alguns Regimentos Internos de Casas Legislativas, que visam assegurar ao vereador o exercício de algumas funções essenciais de auxílio, fiscalização, sugestão e assessoramento.

Apesar pouco utilizadas pelos edis pelo fato de não possuírem a “moldura” nem a natureza de “Lei” como ocorre com as ilegítimas “leis autorizativas”, as “Indicações” têm um valor social inestimável, pois o legislador dá publicidade ao exercício de suas funções, sem iludir a população com ideologias demagogas.

De outro modo, as “leis autorizativas”, caso publicadas, somente poderão ser retiradas do ordenamento através do controle judicial. Assim, o que comumente se vê é a simples postura indiferente do Poder Executivo quanto à sua existência. Essa atitude acaba por resultar em desgastes e abusos dos agentes políticos. Enquanto os edis preconizam que o Prefeito não cumpre a Lei. Este acaba realizando um juízo de valor exacerbado, usurpando de atribuição típica do Judiciário.

Diante desse ciclo de conformismo com a inconstitucionalidade, deduz-se que a melhor solução se revela no sentido de se expurgar esse mecanismo antes mesmo de seu nascimento, pois quando entram em vigor, o que se esconde atrás da aparente inofensividade é uma ideologia enganosa, fútil e ardil, que serve para ludibriar eleitores e dar publicidade indevida àqueles que deveriam zelar pelo interesse público no exercício de suas verdadeiras funções.

Daí exsurge a relevância do Parecer Jurídico supressivo ou modificativo no Legislativo, com o fito de evitar que os instrumentos normativos nasçam desprovidos do patológico gene da inconstitucionalidade, transformando-os em “Indicações”, quando possível. De outro modo, será cabível o “abortamento” de projetos irreformáveis, através dos conhecidos Pareceres de inadmissibilidade[1].

Deduz, assim, que o advogado público municipal deve exercer uma postura ativa e ríspida junto às Comissões de Constituição e Justiça – local onde é realizado o controle preventivo – vez que, devido ao imenso número de Municípios existentes na Federação, a fiscalização externa e o controle repressivo constitucional tornam-se insuficientes para conter os incontáveis vícios legais e administrativos que pairam no ordenamento jurídico.

Por fim, vale mencionar que corroboram os argumentos expostos as seguintes decisões encontradas na jurisprudência: STF, ADI 2367 MC-SP; TJ-RS, ADI 70008489858,  ADI 70009539305, ADI 70005738331,  ADI 70007695539,  ADI 70008070823, ADI 70009195504, ADI 70008354045,  ADI 593099377, ADI 70008039786, ADI 70009195504, ADI 70000865733, ADI 70000031658, ADI 70009208612, ADI 70008039786, ADI 70010786044, ADI 70008451452; TJ-SP, ADI 99409.226224-7, ADI 140.165.0/4-00, ADI 114.171-0/6-00, ADI 069.501-0/1-00, ADI 69.371.0, 40.572.0/2, 69.371.0.

Willian Oguido Ogama

Advogado da Câmara Municipal de Maringá

willian@cmm.pr.gov.br


[1] Pedro Lenza (2008, p. 134) assim o define: “O Legislativo verificará, através de suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei, que poderá virar lei, contém algum vício a ensejar a inconstitucionalidade (…) quando a Comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente(…)”.

5 comentários

  1. Wellinton

    Parabéns Dr. Willian pela brilhante exposição. Espero que com seus claros e precisos esclarecimentos os legisladores (de todas as esferas) se conscientizem sobre não só a inconstitucionalidade, mas a desnecessidade deste tipo de espécie normativa.

  2. Rafael

    Patente tamanha ingerência na esfera de atuação do Poder Executivo, ferindo o princípio basilar da separação dos poderes.

    É atribuição do Prefeito, da maneira que entender mais oportuna, implantar políticas públicas através da celebração de convênios, realização de obras, enfim da execução do orçamento aprovado.

    Tais anomalias normativas apenas servem para serem utilizadas em época de campanha eleitoral, inundando o ordenamento com verdadeiras peças de ficção, uma vez que nem sempre o Executivo dispõe de recursos para atender ao suplício da “Lei autorizativa”, que acabará tornando-se sem eficácia.

    Parabéns pelo alerta, Willian,

    Rafael Campanholi

  3. Robertinho Nagibão

    Meu caro Dr. Willian, o Plano Diretor em minha cidade foi aprovado a um três anos, quero fazer algumas modificações, tipo como: ampliar a área urbana do Municipio e mudança de nomes de bairro.
    Isto é possivel ser feito por iniciativa da Câmara?

  4. Willian

    Creio que a iniciativa legislativa pode ser da Câmara de Vereadores, porém, nos termos do Estatuto das Cidades, deve atender aos requisitos do art. 40, abaixo transcrito:

    Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
    § 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
    § 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
    § 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.
    § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
    I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
    II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
    III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
    § 5o (VETADO)

  5. zé legal

    O exposto pelo Dr. Willian é demais salutar, em relação ao artigo publicado. Por isso que há discussões que o vereador na feitura de leis, só pode denominar praças, ruas , pois o resto que queira intervir na administração como criação de um programa, seja na a´rea da educação, saúde ou qualquer outro é tido como ingerência e daí, vem as leis autorizativas que terminam perdendo sua eficácia pela inconstitucionalidade. Por isso, a peça orçamentária tem que ser bastante discutida pelos edis de maneira que nesse momento eles possa atuar através de emendas que venham beneficiar a cidade, com criação de programas e outros., e depois, é apresentar indicações e se limitarem nas denominações de logradouros.

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