Dados contradizem discurso dos prefeitos de que houve queda na arrecadação

Há anos os prefeitos alegam que os municípios estão com dificuldades financeiras em razão da queda de suas receitas. Esse discurso não costuma ser questionado e tem sido propagado em alto e bom som. Ano a ano tenho confrontado esse argumento com os números divulgados pelas próprias prefeituras. Os dados, efetivamente, não confirmam a tese dos prefeitos.

No caso particular de Pernambuco, os recursos do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB correspondem a algo em torno de 60% das receitas municipais (40% do FPM e 20% FUNDEB). A terceira maior fonte é a cota parte do ICMS – Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que é arrecada pelo Estado e uma parte destinada aos municípios. A proporção do ICMS na receita das prefeituras corresponde a algo próximo de 10%.

Juntos (FPM, FUNDEB e ICMS) representam, em média, 70% de toda arrecadação dos pequenos municípios. Quanto menor o município, em termos de população, maior tende a ser a proporção dessas receitas no orçamento local. A título de informação, no Brasil, 68% dos municípios possuem menos de 20 mil habitantes (*1). Em Pernambuco são 41%. Na Paraíba, 85%.

Para fins de nossa análise, adotamos como referência o exercício de 2013, quando se iniciou a  gestão 2013-2016, eleita em 2012. Ano a ano, as principais receitas municipais cresceram.

O Fundo de Participação dos Municípios – FPM, a maior fonte de financiamento das ações governamentais nos municípios de pequeno porte, pelo menos no tocante à realidade do nordeste, notadamente em Pernambuco, apresentou crescimento nominal no período 2013-2016 de 43,03%, com destaque para o exercício de 2016, cujo aumento chegou a 16,8%, quando comparado com o ano anterior (*2).

fpm

Descontada a inflação, no acumulado 2013-2016 houve um aumento real de 9%. E, conforme publicação da Frente Nacional dos Prefeitos, apenas em 2016, último ano da gestão 2013-2016, os dados apontam um expressivo crescimento real de 7,4% do FPM. De janeiro a setembro de 2017, os valores repassados aos municípios registram crescimento real de 7%, quando comparado com mesmo período do ano anterior (*3).

O FUNDEB, a segunda maior receita dos municípios Pernambucos de pequeno porte, reproduziu o mesmo comportamento do FPM, apresentando, no período de 2013-2016, um crescimento nominal de 51,19%, com destaque para os anos de 2014 e 2016, que registram, respectivamente, um aumento de 16,36% e 12,25% em relação ao ano anterior (*4).

fundeb

Utilizando-se o mesmo critério de correção do FPM (*5), no acumulado de 2013/2016, o aumento real do FUNDEB foi de 12,72%. Em 2016 e 2017, os dados registram um aumento real de 3,23% e 3,16%, respectivamente.

Assim, destoando do discurso dos prefeitos, apenas nos últimos anos, 2016/2017, o aumento real do FPM já alcança 14,4%, enquanto que do FUNDEB, 6,49%.

Analisando os dados gerais da arrecadação do ICMS (25% desse imposto estadual é destinado aos municípios), o que se verifica é que a arrecadação em 2017, até o mês de outubro, evolui positivamente em 4,17%, já descontada a inflação (crescimento real). Em valores correntes, de janeiro a outubro de 2016, a arrecadação estadual do ICMS foi de R$ 10.833.481,29, enquanto que em 2017, no mesmo período, o imposto totalizou um montante de R$ 11.527.883.989,52 (*6).

Outras receitas municipais, de menor representatividade que as já citadas, alcançaram resultados ainda melhores, como o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e a Contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre as operações realizadas com combustíveis (CIDE). Pertencem aos municípios, 50% do IPVA e 25% da CIDE recebida pelo estado.

No caso do IPVA, o montante arrecadado pelo Estado saltou de R$ 564.719.736,56, no final de 2012, para R$ 988.564.303,59, no final de 2016 (*7). O aumento nominal foi de 75,05%, enquanto que o real ultrapassa 30,7%. Apenas em 2016, o crescimento nominal foi de 29,4%, quando comparado com 2015.

ipva

Em valores correntes, de janeiro a outubro de 2016, a arrecadação estadual do IPVA foi de R$ 960.260.881,84, enquanto que em 2017, no mesmo período, o imposto já totaliza um montante de R$ 1.005.737,81, uma variação também acima da inflação.

Quanto à CIDE, foram repassados aos municípios R$ 518.163,23 (2013), R$ 1.050.252,78 (2014), R$ 4.106.704,08 (2015), R$ 11.190.419,76 (2016) (*8). De 2013 a 2016, o crescimento foi de 2.822%.

cide

O montante arrecado em 2017, apenas nos 10 primeiros meses, já alcança R$ 15.141.354,73.

O que já está muito bom, poderia ser ainda melhor se os gestores locais largassem o discurso e assumissem suas responsabilidades, dentre elas, as tributárias próprias, e cumprissem a determinação contida na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 1001/2000), que estabelece como requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. O que se vê, com algumas exceções, é o desleixo ou a pouca importância depositada pelas administrações municipais no que toca à política tributária e à justiça fiscal do município.

A título de exemplo, levantamento da Frente Nacional dos Prefeitos – FNP revela, por exemplo, que 46,4% dos municípios do país não realizam a cobrança da taxa de coleta de lixo ou de limpeza urbana. No nordeste, apenas 22,6% das cidades cobram pela prestação desses serviços.

Na prática, os gestores municipais são negligentes com a efetiva arrecadação das receitas próprias (ITPU, ISS, ITBI, taxas, entre outros), incluindo a cobrança da dívida ativa. Nos pequenos municípios Pernambucanos, a arrecadação tributária própria gira em torno de 3%. Há municípios que não alcançam sequer 2%.

Apesar da negligência local, a proporção das receitas nacionais à disposição dos municípios saltou de 18,1%, em 2012, para 20,4% em 2016, o que representa uma ampliação significativa de 2,3%. No mesmo período, os Estados passaram de 24,5% para 25,7%, enquanto que a União, lado oposto, viu sua participação encolher 3,5% (de 57,3% para 53,9%). (*9)

distribuicao-u-e-e-m

De forma categórica, ao contrário do que propagam os prefeitos, os dados revelam que houve um expressivo crescimento das receitas municipais na gestão 2013-2016, em especial no exercício de 2016, e o que se tem em 2017 é um resultado ainda melhor para as receitas municipais, com uma perspectiva animadora para 2018. Não são poucos os indicadores que apontam a retomada do crescimento econômico no país, com previsões bem otimistas para o próximo ano, o que, certamente, levará as receitas públicas a um cenário ainda melhor.

É importante que se consigne que somos entusiastas das lutas pelo fortalecimento dos municípios e apoiamos as demandas que buscam maiores fontes de financiamentos para as ações locais. As razões são várias, mas que podemos resumir em duas: a) é na localidade (municípios) onde se encontram as demandas primárias e inadiáveis da sociedade, como saúde e educação; e b) não há que se falar em pacto federativo e autonomia local sem a racional e proporcional distribuição das receitas. Subserviência financeira dos municípios aos entes maiores impõe severas limitações à autonomia local.

Com bastante alegria, comemoramos as mais recentes conquistas municipalistas como a promulgação da Emenda Constitucional n.º 084/2014, que aumentou em 1% a parcela do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), passando esse a ser composto de 24,5% da arrecadação do IR e do IPI. Da mesma forma, aplaudimos a Lei Complementar n.º 157/2016, que reforma o Imposto Sobre os Serviços (ISS), e a derruba dos vetos presidenciais em 2017, que estabeleceu uma nova redistribuição do valor arrecadado com o tributo entre os municípios, e que permitirá, a partir de 2018, uma redistribuição anual de cerca de R$ 6 bilhões aos Municípios brasileiros, conforme dados apresentados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

O que podemos verificar é que passos foram dados em favor dos municípios. Não obstante os significativos avanços das receitas municipais, o grande problema, na verdade, está no lado da despesa pública, com gestões muitas vezes pródigas, assunto que será objeto de comentário de nosso próximo artigo.

* Escrito por Rogério de Almeida Fernandes, Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Graduado em Contabilidade pela Universidade Federal da Paraíba e em Direito pela Faculdade dos Guararapes. Pós-graduado em Direito Público com foco no Controle Externo pela Escola da Magistratura de Pernambuco. Coautor do livro Vereadores (Reflexões acerca dos entendimentos dos Tribunais de Contas e Cortes Judiciárias).

Notas:

(1) Dos 5568 municípios do país, 2.444 possuem população menor que 10.000 habitantes, e 1.365 entre 10.001 e 20.000 hab.

(2) Tesouro Nacional. Transferências Constitucionais. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2600:1::MOSTRA:NO:RP::

(3) Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil/Publicação da Frente Nacional de Prefeitos. V13 (2018). Vitória, ES: Aequus Consultoria, 2018. P. 56. Disponível em: http://fnp.org.br/component/banners/click/154

(4) Tesouro Nacional. Transferências Constitucionais. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2600:1::MOSTRA:NO:RP::

(5) Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil. Op. Cit. p. 04.

(6) Portal da Transparência. Governo do Estado de Pernambuco. Disponível em: http://www2.portaldatransparencia.pe.gov.br/arquivos/receita.html

(7) Portal da Transparência. Governo do Estado de Pernambuco. Disponível em: http://www2.portaldatransparencia.pe.gov.br/arquivos/receita.html

(8) Tesouro Nacional. Transferências Constitucionais. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2600:1::MOSTRA:NO:RP::

(9) Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil. Op. Cit. p. 09.

Fonte da imagem destacada (“Falso”) – link

2 comentários

  1. Pingback: A desinformação acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (teórica e prática) é grande, como prova o debate em torno do PL 270/16 – Contas Públicas

  2. Pingback: A desinformação acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (teórica e prática) é grande, como prova o debate em torno do PL 270/16 - EDMAR LYRA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *