TCE/PR: A INICIATIVA DA REVISÃO GERAL ANUAL É DA CÂMARA QUANDO HOUVER ESTRUTURA ORGANIZACIONAL, PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS PRÓPRIOS.

PROCESSO Nº: 413681/10

ASSUNTO: CONSULTA

ENTIDADE: CÂMARA MUNICIPAL DE ABATIÁ

INTERESSADO: JOSE SOARES NOGUEIRA FILHO

RELATOR: CONSELHEIRO NESTOR BAPTISTA

ACÓRDÃO Nº: 1788/11 – TRIBUNAL PLENO

Consulta. Sobre espécie normativa necessária para dispor sobre fixação da remuneração dos servidores do Legislativo Municipal. Entendimento Consolidado no STF.

1. RELATÓRIO

Trata o presente expediente de consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Abatiá, Sr. José Soares Nogueira Filho, para firmamento de entendimento deste Egrégio Tribunal de Contas a respeito das seguintes questões envolvendo os servidores do Legislativo Municipal: a) o plano de cargos e salários dos servidores deve ser fixado em lei ou pode ser previsto em Resolução?; b) os vencimentos dos servidores podem ser fixados por Resolução?; c) a revisão-geral e anual dos servidores deve ser promovida por lei ou pode ser determinada por resolução?

O pleito encontra-se instruído com Parecer do Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Abatiá, Dr. Arley Cardoso de Carvalho Junior (OAB/PR 18.529), alegando que a criação, alteração e extinção de cargos no Poder Legislativo Municipal podem ocorrer por meio de resolução, mas que a fixação da remuneração dos servidores depende da edição de lei. Para fundamentar suas razões, o parecer cita o art.51, IV, Constituição Federal, que deveria ser aplicado aos Municípios por força do princípio da simetria. Também cita precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e desta Corte de Contas. O Parecer vem fortemente instruído, ilustrado com jurisprudência, inclusive desta Corte, e resolve com acerto as dúvidas envolvendo a espécie normativa necessária para dispor sobre fixação da remuneração dos servidores do Legislativo Municipal, inclusive por meio da concessão de revisão geral.

A Coordenadoria de Jurisprudência e Biblioteca (CJB) lança Informação n.º 49/10 dando conta da existência dos Acórdãos n°698/08 – Pleno e n° 1595/10 – Pleno, que versam sobre objetos similares ao consulado. Por meio da Instrução n.º 2883/10, a DCM opina que a resposta à consulta seja nos seguintes termos: “a) depende sempre de lei a fixação ou alteração da remuneração dos servidores do Poder Legislativo Municipal, na forma do art.37, X, da CF, ressalvando o caso dos vereadores (art.29, VI, CF). Assim, caso o Poder Legislativo busque instituir ou alterar plano de cargos e salários de seus servidores, deverá editar lei nesse sentido; b) a simples reestruturação dos cargos da Câmara Municipal que não importe em fixação ou alteração de remuneração dos servidores pode ser feita por meio de ato próprio do Poder Legislativo (resolução, decreto legislativo ou outra denominação empregada), na forma dos arts.51, IV, e 52, XIII, da CF, aplicáveis aos Municípios por força do princípio constitucional da simetria

(art.25, CF e art.11 do ADCT, CF); c) tendo como resultado a alteração da remuneração dos servidores, a revisão geral depende sempre de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executiva. Revoga-se, assim, o precedente firmado por esta Corte no acórdão n°698/08; d) o Poder Legislativo Municipal pode, isoladamente, conceder aumento a seus servidores, seja para recompor a parcela da remuneração corroída pela inflação do período, seja para atribuir acréscimo superior ao valor da inflação poderá ser concedida dentro de uma mesma legislatura, por força do art.29, VI, CF, e nos termos do Provimento n°56/2005 deste Tribunal, que segue plenamente aplicável.”

Por seu turno o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (CJB), por meio do Parecer nº 11606/10, faz recomendação pela necessidade de emissão de despacho de conhecimento da consulta. Preliminarmente, sustentou pelo não conhecimento do protocolado, por se tratar de atividade típica da Assessoria Jurídica e, supletivamente, da Procuradoria-Geral do Estado, nos moldes do art.124, V, Constituição Estadual, além de adentrar em tópicos exclusivos do Poder Legislativo. Alternativamente,

2. VOTO

Preliminarmente, verifica-se que o consulente é parte legítima para formular Consulta, conforme artigo 39, II, da Lei Complementar n°113/2005, e artigo 312, II, do Regimento Interno deste Tribunal. E, o processo encontra-se devidamente instruído.

Constata-se que o Despacho n°1581/10 cinge-se, tão somente, ao encaminhamento do protocolado à CJB sem, contudo, analisar os pressupostos basilares para o conhecimento da consulta.

Desta feita, para evitar possíveis nulidades, recebo a presente consulta, considerando que estão presentes os requisitos previstos no art.311, do Regimento Interno desta Corte de Contas.

Apesar da consulta se referir a um caso concreto, e envolver atividade típica de assessoria ao Município, entendo que não há óbice para a mesma ser respondida, em tese, nos termos do art. 38, §1º, da LC n° 113/2005 [1].

No mérito, cumpre salientar que a dúvida recai sobre a possibilidade de: a) o plano de cargos e salários dos servidores deve ser fixado em lei ou pode previsto em resolução?; b) os vencimentos dos servidores podem ser fixados por resolução?; e c) a revisão geral dos servidores deve ser promovida por lei ou pode ser determinada por resolução?

Não se discute aqui quantia repassada pelo Município à Associação, pois o que deve reinar é a discussão da prevalência de princípios e não a natureza do caso concreto.

Assim, é que o Acórdão n°698/2008 – Pleno, consignou que: “EMENTA: CONSULTA – AVALIAÇÃO DE PROJETO DE LEI DO EXECUTIVO MUNICIPAL, ACERCA DE PROGRESSÃO FUNCIONAL – PRELIMINAR DE CASO CONCRETO ARGUIDA PELA DIRETORIA JURÍDICA – NÃO ACATADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS QUE ENTENDE SER CASO RELEVANTE – PRELIMINAR ACATADA – PELO NÃO CONHECIMENTO DA CONSULTA POR SE TRATAR DE CASO CONCRETO – ORIENTAÇÃO PODE SER BUSCADA NA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO – PELA IMPOSSIBILIDADE DE RESPONDER QUESTIONAMENTO EM TESE.” (gn)

Apregoa a Constituição Federal a independência e harmonia dos Poderes Constituídos, ao determinar no artigo 2°: “Art.2° São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Por consequência, quer a Constituição Federal fixar que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dispõem, além da competência funcional, a independência administrativa e orçamentária. Verifica-se que, nas palavras do Prof. Alexandre de Morais, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Judiciário, possuem, dentre suas funções atípicas, administrar os bens, dinheiros e pessoas dispostas em sua esfera de atuação para consecução de suas funções típicas, respectivamente, legislar e julgar. “As funções atípicas constituem-se em administrar e julgar. A primeira ocorre, exemplificativamente, quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalização interna, provimento de cargos, promoções de servidores…” (fls.375). “O Judiciário, porém, como os demais Poderes do Estado, possui outras funções, denominadas atípicas, de natureza administrativa e legislativa. São de natureza administrativa, por exemplo, concessão de férias aos seus membros e serventuários; prover, na forma prevista nessa Constituição, os cargos de juiz de carreira na respectiva jurisdição.” (fls.449) [2]. Portanto, do até então disposto, se constata que, pelo princípio da separação dos poderes, ou da separação de funções ou atribuições, como alguns querem, estaria o Poder Legislativo legitimado para, dentre sua função atípica de administrar, conceder a revisão geral ao funcionalismo de seu quadro próprio. Contudo, algumas variantes deverão ser consideradas, em especial as dispostas no estudo do Prof. Meirelles Teixeira:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam á sua esfera de competência. É nesse sentido que a Constituição brasileira não fala, como já observamos, em “separação de poderes”, mas apenas em “harmonia e independência dos poderes”, e declara serem poderes da União o Legislativo,o Executivo e o Judiciário, “Independentes e harmônicos entre si. A nenhum Poder será lícito. Portanto, fora dos casos estabelecidos pela Constituição, praticar atos ou funções que, pela sua natureza intrínseca, pelo seu conteúdo, correspondam à competência de outro poder e, muito menos, evidentemente usurpar competência de outro. Isto é, praticar atos e funções que a Constituição assinale a outro Poder. Do mesmo modo, salvo nos casos expressamente previstos e estabelecidos na Constituição, nenhum Poder poderá, direta ou indiretamente, limitar, embaraçar ou controlar a ação de outro, nem subordinar outro Poder à sua ação, seja condicionando-lhe a atividade, seja revogando-lhe atos e decisões. “Separação de poderes” não significa, portanto, e já o vimos, ausência de limitações recíprocas, de coordenação, de Interdependência, de tarefas comuns entre os poderes. Significa, entretanto, que essas limitações, esses controles, essas interferências de cada Poder na esfera teoricamente de

competência dos demais, essa interdependência e coordenação, serão estritamente aquelas estabelecidas e admitidas pela Constituição, pois se fôssemos admitir outras, por obra da lei ordinária, dos atos administrativos e das decisões judiciais, cairia por terra todo o sistema constitucional, e, de mutilação em mutilação desse sistema, chegaríamos, afinal, à acumulação e à confusão dos poderes’ [3]. Em análise ao Art. 84 da Constituição Federal, determinante das competências privativas do Presidente da República (Poder Executivo), não se encontra a de conceder ou não a revisão-geral anual ao funcionalismo público municipal e, sequer, a de deliberar relativamente à criação, transformação e extinção dos cargos públicos, competência esta privativa do Congresso Nacional (Poder Legislativo). “Art.48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts.49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre……

x – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b; • Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração., observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;” Por conseguinte, ao se acatar a concessão de revisão geral anual pelo Poder Legislativo, em apartado do Poder Executivo, não se estaria tratando de usurpação de competência privativa do Executivo.

Diante do exposto, demonstrada a independência harmoniosa entre os Poderes, independência esta que se traduz, inclusive, na gestão orçamentária e administrativa própria do Poder Legislativo, bem como, a inexistência de vedação constitucional expressa ou de competência privativa para a propositura da revisão geral anula a qualquer um dos poderes, em havendo quadro de pessoal próprio, nos parece plenamente plausível e factível a concessão de revisão-geral anual da remuneração dos servidores públicos pelo Poder Legislativo, independente da concessão desta pelo Poder Executivo. Ressalte-se, no entanto, que, em não dispondo a Câmara Municipal de quadro próprio de pessoal, não poderá a revisão geral anual ser concedida separadamente, uma vez que prejudicada parcela da autonomia do Poder Legislativo e, desta feita, vinculada a concessão ao caráter geral e irrestrito dos subordinados ao quadro de pessoal, exigindo-se, portanto, a concessão conjunta por ambos os poderes.

Neste panorama, assiste razão o Parecer do MPjTC. Assim, VOTO pelo conhecimento da consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Abatiá. E, por conseguinte, para que a resposta, em tese, seja dada nos seguintes termos:

a) Os artigos 51, IV e 52, XIII, da Constituição da República se aplicam às Câmaras Municipais em homenagem ao princípio da simetria e, portanto, a simples reestruturação dos cargos prescinde de lei podendo ser editada por ato; b) O art. 37, X, da Constituição Federal, prevê a possibilidade do Poder Legislativo local editar lei para fixar ou alterar a remuneração dos seus servidores e; o art.27, IV, dispõe que a alteração do subsídio dos Vereadores pode ser fixada por ato próprio da Câmara Municipal; c) A revisão geral anual pode ser encontrada no Acórdão n°698/08 – Pleno, que autoriza a iniciativa do Poder Legislativo local quando houver estrutura organizacional, plano de cargos e salários próprios. VISTOS, relatados e discutidos, ACORDAM OS MEMBROS DO TRIBUNAL PLENO do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ, nos termos do voto do Relator, Corregedor-Geral NESTOR BAPTISTA, por unanimidade, em:

Conhecer a presente consulta, formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Abatiá, e, por conseguinte, para que a resposta, em tese, seja dada nos seguintes termos:

a) Os artigos 51, IV e 52, XIII, da Constituição da República se aplicam às Câmaras Municipais em homenagem ao princípio da simetria e, portanto, a simples reestruturação dos cargos prescinde de lei podendo ser editada por ato; b) O art. 37, X, da Constituição Federal, prevê a possibilidade do Poder Legislativo local editar lei para fixar ou alterar a remuneração dos seus servidores e; o art.27, IV, dispõe que a alteração do subsídio dos Vereadores pode ser fixada por ato próprio da Câmara Municipal; c) A revisão-geral anual pode ser encontrada no Acórdão n°698/08 – Pleno, que autoriza a iniciativa do Poder Legislativo local quando houver estrutura organizacional, plano de cargos e salários próprios. Votaram, nos termos acima, os Conselheiros NESTOR BAPTISTA, ARTAGÃO DE MATTOS LEÃO, HEINZ GEORG HERWIG, CAIO MARCIO NOGUEIRA SOARES, HERMAS EURIDES BRANDÃO e IVAN LELIS BONILHA.

Presente a Procuradora do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas KATIA

REGINA PUCHASKI.

Sala das Sessões, 15 de setembro de 2011 – Sessão nº 33.

NESTOR BAPTISTA

Conselheiro Corregedor-Geral

FERNANDO AUGUSTO MELLO GUIMARÃES

Presidente

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